“A minha vida está destruída, porque eu estou hoje sendo perseguido politicamente, com mandado de prisão. E passando por tudo com risco de nunca mais ver minha família, porque eu não vou para uma cadeia, porque eu não sou bandido”, diz Zé Trovão, como ficou conhecido o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes.
O conteúdo, publicado na madrugada desta quinta-feira (9/9), é um das dezenas de vídeos publicados pelo militante bolsonarista nas últimas semanas em seu canal oficial no Telegram.
O canal é parte de uma estratégia alternativa de comunicação, criada após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes determinar o bloqueio dos perfis no Facebook, Instagram, Twitter e YouTube de investigados por “incitação à prática de atos violentos e ameaçadores contra a democracia”, como o próprio Trovão, o cantor sertanejo Sérgio Reis e o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), entre outros.
Foragido e com ordem de prisão decretada, acusado de incitar invasões ao STF e ao Congresso, o caminhoneiro seguiu comandando pelas redes sociais e aplicativos de comunicação a ala mais radical do bolsonarismo na paralisação de caminhoneiros que se espalhou por aos menos 15 Estados após os protestos de 7 de setembro.
Como um caminhoneiro desconhecido de Joinville (SC) tornou-se o líder radicalizado de uma manifestação golpista de âmbito nacional?
São poucas as pistas, diante do anseio dos líderes caminhoneiros mais conhecidos de se afastarem do militante extremista, mas contamos aqui o que se sabe até agora.
‘Zé Trovão? Não conheço’
Alguns dos principais líderes da greve de caminhoneiros de 2018 dizem que desconheciam Zé Trovão até sua emergência no cenário nacional convocando as manifestações antidemocráticas de 7 de setembro junto ao grupo de Sérgio Reis.
O nome Zé Trovão faz referência ao personagem interpretado pelo também sertanejo Almir Sater, na novela A História de Ana Raio e Zé Trovão, sucessora de Pantanal na hoje extinta Rede Manchete.
“Não conheço, nunca conversei, comecei a ver ele a partir de quando ele apareceu com o Sergio Reis”, diz Wallace Landim, o Chorão. Presidente da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores) e transportador há mais de 20 anos, ele foi um dos líderes que ganharam destaque no maior protesto recente da categoria, durante o governo Michel Temer (MDB).
“Nunca ouvi falar na minha vida de Zé Trovão, a não ser naquela novela. Esse cara nunca representou ninguém, não representa categoria nenhuma. Isso daí é uma cria do agronegócio”, afirma Luciano Santos de Carvalho, presidente do Sindicam (Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens da Baixada Santista e Vale do Ribeira).
“Nunca ouvi falar dele em movimento nenhum. Esse cara precisa ser preso urgente, ele é terrorista e está junto com Bolsonaro colocando fogo no país”, diz Wanderlei Alves, mais conhecido como Dedeco.
“Caiu de paraquedas no movimento do voto impresso do mês passado e ganhou força com discursos de ódio contra a Suprema Corte”, completa o líder caminhoneiro do Paraná, que largou a boleia após 27 anos, depois de romper com o governo Bolsonaro.
De caminhoneiro autônomo a ‘celetista’
Se os líderes de 2018 buscam se afastar deste novo líder de 2021 e até questionam se ele é mesmo caminhoneiro, em Santa Catarina, caminhoneiros bolsonaristas envolvidos com os protestos de 7 de setembro confirmam que Zé Trovão é de fato parte da categoria e que está mobilizado desde 2018, ainda que sem qualquer protagonismo naquela ocasião.
“Ele já foi autônomo, hoje é celetista”, diz um caminhoneiro de Guaramirim (SC), que prefere não ter o nome divulgado e que diz que conhece Pereira Gomes há uns três anos. Celetistas são os caminhoneiros que trabalham para empresas, sob contrato, diferentemente dos autônomos, que são donos de seus próprios caminhões e prestam serviços a quem os contrata.
“[Em 2018] ele não foi a Brasília, mas esteve na luta da região aqui. Regionalmente ele esteve presente, desde 2018, na paralisação”, completa o transportador.
Segundo o motorista de Guaramirim, as pautas defendidas por Zé Trovão em seus vídeos – como o voto impresso e o impeachment dos ministros do Supremo – encontram eco nos caminhoneiros da região.
“Sempre foram as pautas que nós defendemos, na verdade. Eu estou colaborando com o movimento, não estou encabeçando, participei do 7 de setembro como caminhoneiro e como cidadão. Nós queremos o direito de voto impresso, queremos ter direito de saber em quem de fato foi votado”, afirma o caminhoneiro.
Autônomos Vs. Caminhoneiros do agronegócio
José Cícero Rodrigues, ex-presidente do Sindicam de Santos, com 14 anos de experiência como líder da categoria, também diz desconhecer Zé Trovão e é mais um que afirma que o caminhoneiro celetista está a serviço do agronegócio. Ele explica que, desde a greve de 2018, há uma divisão entre autônomos e contratados do agro.
“Na greve de 2018, nós apoiamos o Bolsonaro, acreditando que ele ia nos fortalecer em alguma coisa, mas para o caminhoneiro autônomo ele não deu nada. Então quem foi para Brasília não foi o caminhoneiro autônomo, foi o agronegócio, tem que saber dividir isso. O caminhoneiro autônomo não está com o governo, nós estamos neutros”, diz Rodrigues.
“Em 2018, nós só queríamos a baixa do óleo diesel e pedágio, era muito simples. E não houve isso, pelo contrário: aumentou o óleo diesel, aumentou os pedágios, aumentou tudo. Então autônomos e agro só ficaram juntos na greve de 2018, depois cada um se dividiu para o seu lado, porque os interesses são diferentes”, afirma o líder caminhoneiro santista.
Wallace Landim, liderança do Centro-Oeste, também avalia Zé Trovão como um representante do agronegócio e não dos interesses da categoria. “É um movimento de cunho político, que não tem uma pauta voltada para a categoria. Nesse movimento aí, está claro que o pessoal do agro está muito forte junto. Até os caminhões que estavam em Brasília, 90% são caminhões de empresa, que trabalham com o pessoal do agro.”
Segundo Landim, ainda não está claro qual o interesse do setor do agronegócio nesta mobilização, mas ele avalia que uma votação no STF prevista para 6 de outubro, referente ao Funrural (imposto que incide sobre a produção rural) pode ser um dos motivos por trás da pressão dos empresários do setor agropecuário sobre a corte constitucional.
‘Preso político’
Sob risco de ser preso a qualquer momento, Zé Trovão já começa a referir a si mesmo como preso político.
“Em alguns momentos, eu devo ser preso, eu não vou mais fugir. Chega, eu estou cansado disso”, afirmou em vídeo desta quinta-feira (9/9). “Eu estou no México e a embaixada brasileira acaba de entrar em contato com o hotel em que eu estou. Então, em alguns momentos, provavelmente a polícia vem aqui me recolher e vai me levar preso.”
“Eu não cometi nenhum crime. Estou indo para o Brasil, provavelmente preso. Preso politicamente, por crime de opinião. Eu peço a todos os brasileiros: tudo o que eu estou fazendo é pelo nosso país, nos ajudem, pelo amor de Deus”, concluiu.
Na véspera, após receber o áudio em que Bolsonaro pedia aos caminhoneiros que encerrem as paralisações de estradas, o militante gravou um apelo emocionado ao presidente, em que se citava ainda outros alvos da Justiça tratados como presos políticos por bolsonaristas.
“Nós estamos aqui, sempre apoiamos o senhor. Eu estou na rua, estou lutando junto com o povo brasileiro pelo teu governo, pelo senhor e pelo nosso país, nossa democracia”, disse. “Então, presidente, veja bem tudo o que está acontecendo não só na minha vida, mas de tantos como Wellington Macedo, Oswaldo Eustáquio, Sara Winter, Daniel da Silveira.”
O blogueiro Wellington Macedo é, ao lado de Zé Trovão, alvo de inquéritos no STF relatados por Alexandre de Moraes, que determinou em 3 de setembro a prisão preventiva deles após pedido da Procuradoria-Geral da República. Macedo já foi preso pela Polícia Federal.
Oswaldo Eustáquio foi preso novamente na terça-feira (7/9), pós ter suas contas em redes sociais bloqueadas na segunda, por ordem de Moraes, depois de o blogueiro fazer uma live com Zé Trovão sobre os protestos do feriado da Independência.
Sara Winter, ativista do grupo armado de extrema direita “300 do Brasil”, foi presa em junho de 2020, após ataque com fogos de artifício ao prédio do STF, e solta ao fim daquele mês mediante uso de tornozeleira eletrônica.
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso por ataques ao ministros do STF em fevereiro e novamente em junho, após desrespeitar o uso da tornozeleira eletrônica.
Ao fim da manhã desta quinta-feira, Zé Trovão já dizia ter mudado de ideia quanto a se entregar. “Estou de novo tendo que fugir, porque eu queria me entregar mas ninguém quer deixar”, disse ele, sem esclarecer quem não está deixando.
“Pessoal, vamos para as ruas agora, vamos parar tudo. Empresários, fechem suas empresas, vamos para as ruas, vamos salvar o nosso Brasil, dá tempo ainda, eu conto com vocês”, concluiu o vídeo, dando sinais de que sua vida de foragido da Justiça ainda deve ter novos capítulos.
Thais Carrança
Da BBC News Brasil em São Paulo