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História, patrimônios públicos e urubus; artigo do historiador Emmanoel Gomes

Porto Velho, Rondônia, Brasil. A história cultural desses pedaços de mundo sempre foi marcada pela agonia e desprezo do poder público e por uma grande maioria de pessoas que não conhecem, não sabem e, logo, não podem defender ou atuar em favor das marcas de sua própria história.

a[dropcap]T[/dropcap]udo o que está acontecendo em Rondônia se coaduna com as políticas históricas que nunca privilegiaram a manutenção dos patrimônios ou valorização dos nossos elementos culturais.

Alguns poderão dizer que os “reparos” ocorridos na Madeira Mamoré nas décadas de oitenta, noventa e agora, tenham sido relevantes, triste engano. Nunca tivemos a formulação de uma política de restauro, preservação ou manutenção do patrimônio.

O pouco que foi feito atendeu aos interesses dos coronéis políticos, tanto do ontem como os da atualidade. O pouco que foi feito atendeu as necessidades das campanhas eleitoreiras.

 Não tivemos políticas sequenciadas que pudessem garantir a preservação de nossos valores culturais e históricos. Esse quadro se coadunou com as ações nocivas da própria população, que em sua ampla maioria, não aprenderam na escola a valorização e preservação do seu patrimônio, ainda hoje, ensinamos mais sobre Roma e Grécia, agora temos a história da África, do que sobre o Brasil, quem dirá Rondônia.

A Madeira Mamoré foi alvo de vandalismo institucional, a começar pelas ações do 5° BEC.

O Real Forte do Príncipe da Beira vive em eterno abandono.

Os postos telegráficos e equipamentos associados ao telégrafo da Comissão Rondon, que originaram parte das cidades deste estado estão carcomidos pelo ácido do tempo.

 Os marcos históricos, localizados ao longo do Madeira estão sendo levados pelas águas revoltadas com os projetos hidrelétricos.

O rio reage ao ímpeto humano que não mede as consequências na sua louca e desesperada busca pelo dinheiro.

Guajará-Mirim vive o aprofundamento das péssimas gestões públicas em quase que todas as áreas.

Os militantes em favor do patrimônio cultural histórico material e imaterial nunca conseguiram unidade em suas ações.

Hoje vivemos uma espécie de inferno astral, todos os dias surge uma notícia de desrespeito ou destruição de algum marco histórico.

Quando denunciei a emporcalhada “restauração” feita no cemitério da Candelária ao lado de uma série de pessoas ilustres nosso grito não gerou o eco necessário junto aos organismos fiscalizadores que vivem também uma profunda letargia.

Porém, acredito que nossas ações ainda possam produzir resultados no sentido de reverter alguns quadros.

Fico feliz ao ver, após um longo tempo de hibernação, as manifestações do Professor Doutor Marcos Teixeira. Acredito que a UNIR (UFRO), principalmente o curso de história, deva assumir uma atuação mais firme diante das tragédias ocorridas e as anunciadas.

Em sintonia com os amigos militantes da história de Rondônia me manifesto por não aceitar tamanha ma fé, covardia e picaretagens de autoridades que deveriam zelar da história e patrimônios públicos e fazem exatamente o contrário.

Apesar do desânimo que se abate sobre todos, precisamos nos mobilizar, nos organizar de forma a dar combate ao desmantelo, afronta e desrespeito reinante.

As manifestações através dos artigos e declarações na mídia em geral são importantes, porém precisamos avançar.

Irmanado com os sentimentos de tristeza, mágoa e revolta manifestados pelo professor, poeta, escritor e historiador Antônio Candido, assim como outros grandes militantes da causa, gostaria de convidar todas as pessoas da esfera cultural e educacional para que juntos iniciemos um amplo movimento de reflexão, protesto e desaprovação em relação à barbárie praticada contra nossa cultura.

Que junto aos mais variados instrumentos de comunicação, junto aos nossos alunos, dentro dos espaços de atuação de cada um, sejam nas escolas, nas praças, igrejas, universidades, etc. Que fique bem claro nossa profunda indignação com toda a patifaria.

Hoje, residindo em Vilhena há cinco anos, mantenho minha disposição e atuação em favor da causa da história e cultura desse Estado que tão bem me acolheu.

Quando visito Porto Velho, não reconheço mais a cidade. O sentimento é de tristezas e saudades. Tristeza por ver tantas desgraças amontoadas ao mesmo tempo e saudades de um tempo recente, coisa de dez anos, Porto Velho, digo com tristeza, se assemelha as ideias que projetamos sobre como seria o inferno.

 Porto Velho parece ter sofrido uma guerra, de tão deformado, parece ter sido vítima de tornados de tão descabelado que está.

Não sou um arauto do mal, ao contrário, tento refletir o caos para ser capaz de buscar caminhos. Não adianta manter o discurso ingênuo, romântico, saudosista do Porto Velho caboclo, do apito do trem que embalava a cidade e possuía algum encanto.

Meus queridos parceiros de militância cultural acreditem, Porto Velho está muito mal, se fosse uma pessoa doente, não seria aceito em nenhuma UTI no mundo, ficaria como o tal paciente com vermes saindo pela boca, mostrado recentemente em toda a mídia brasileira, se encaminhado seria abandonado na lixeira do hospital.

Vamos acordar botar egos, títulos, inclusive os nobiliárquicos, diplomas, arrogâncias, vaidades bem distantes, elementos que impediram no passado uma ação coletiva desse segmento.

A possibilidade de se construir um movimento firme, sério e honesto urge.

Vamos exigir, com muita firmeza, uma postura respeitosa ao nosso patrimônio, cobrar das instituições fiscalizadoras que cumpram com seu papel e responsabilize os culpados.

Que instituições ricas e poderosas como o MP, TCE, TJ, PF, IPHAN, etc., assumam a responsabilidade de atuar na defesa desses patrimônios públicos, cobrando as responsabilidades das autoridades que colaboraram com a destruição de tantos monumentos.

Convido todos os colegas a visitarem o pobre cemitério da Candelária que reforma terrível fizeram lá. A única coisa bem feita que tenta justificar o gasto de oitenta e quatro mil reais é uma placa de mármore divulgando o Iphan.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que não consegue responder ao descaso e destruição do nosso patrimônio tem que ser pressionado.

Emmanoel-Gomes-ArtigosEle que foi criado em 1937, no governo de Getúlio Vargas para atuar na proteção do patrimônio público material e imaterial não pode se omitir como está ocorrendo.

Foi criado e instituído por Rodrigo de Melo Franco, que contou com a colaboração de grandes intelectuais como Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa e Carlos Drummond de Andrade.

 O Iphan não pode atuar da forma como vem atuando, tem que cumprir com seu papel ou deixar de existir.




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