Edgar Roquette-Pinto viveu de 1884 a 1954. Homem de múltiplos talentos, foi médico, ensaísta, antropólogo e etnólogo. Em 1922 criou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, primeira emissora de rádio do Brasil, doada ao MEC em 1936.
[dropcap]R[/dropcap]oquette-Pinto está ligado indissoluvelmente à história de Rondônia, cujo nome é uma herança sua. A entrevista a seguir foi elaborada como ele estivesse entre nós ainda, e é apoiada em seu livro “Rondônia”. Trata-se evidentemente de uma peça de ficção, mas que busca neste livro informações dadas pelo próprio autor para compor esta hipotética entrevista.
Roquette-Pinto esteve na região onde hoje é o município de Vilhena, na expedição de 1912, e dá detalhes dos nambiquaras e dos parecis. Além disso, estava atento aos trabalhos de Rondon nessas terras, a ponto de descrever com detalhes aquilo que o famoso Marechal já havia realizado antes de 1912.
RP: O nome de nosso estado é uma iniciativa sua. Como se deu isso?
Roquette-Pinto: é verdade. Em 1915 foram realizadas conferências no Museu Nacional no Rio de Janeiro, eu fui um dos conferencistas e na minha fala propus o nome Rondônia para designar a região compreendida entre os rios Juruena e o rio Madeira, cortando esse território pela estrada de Rondon. Argumentei na época que sendo esse território riquíssimo em elementos geológicos, botânicos, zoológicos, etnográficos, entre outras características, isso permitia já considerá-lo uma província autônoma. Claro que ele já se chamou Território Federal do Guaporé, mas como se vê, minha ideia inicial nos idos de 1915 acabou sendo utilizada para denominar o Estado de Rondônia.
RP: O Senhor participou da excursão de 1912 aqui em Rondônia. O que o Senhor viu e qual seu objetivo nessa excursão?
Roquette-Pinto: bem, sou antropólogo e etnógrafo como você sabe, então estava interessado em estudar os habitantes daqui da região, e de Vilhena também.
Na época observei na Serra do Norte uma mudança acelerada no modo de vida dos indígenas. Muitos de seus usos, costumes, maneira de fazer as coisas estavam se modificando rapidamente. Em pouco tempo de contato com o homem branco, ‘os machados de pedra não existiam mais, cada índio já possuía machado de aço. Riam-se até os nambiquaras daquele instrumento de pedra que há dois ou três anos era elemento fundamental de suas vidas’.
Então, na excursão de 1912 procurei arquivar esses fenômenos que estavam sumindo vertiginosamente. Tentei tirar um instantâneo da situação social, antropológica e etnográfica dos índios da Serra do Norte. Esse trabalho foi registrado no livro “Rondônia”, publicado em 1917 e que, nesse mesmo ano, recebeu o prêmio “Pedro II”, medalha de ouro, do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
RP: O Senhor foi o primeiro antropólogo a estudar os habitantes da região, em 1912?
Roquette-Pinto: longe disso, muito antes de mim, estudiosos de boa cepa dão notícias importantes sobre os indígenas daqui. Merece referência as contribuições de Pimenta Bueno, Karl Von der Steinem e Koch-Grunenberg.
RP: o Senhor se mostra admirador dos trabalhos de Marechal Rondon, a ponto de batizar o estado com seu nome. Como o senhor sintetizaria o trabalho dele nessas terras?
Roquette-Pinto: É difícil tal síntese, dada a grandeza da obra, mas é sempre oportuno perceber como ‘Rondon e seus companheiros, rasgando matas e semeando pousos, que seriam futuras povoações (como Vilhena, por exemplo), cumpriram esse destino feliz, desbravando terras e amansando homens’.
RP: Sobre a famosa expedição de 1907, o que o senhor saberia dizer?
Roquette-Pinto: olha, foi em agosto daquele ano que começaram os preparativos para a expedição, iniciada na vila de Brotas. ‘Os trabalhos foram distribuídos por quatro divisões: a primeira incumbia a exploração do terreno, às outras sucessivamente, o transporte de material, o serviço de acampamento e finalmente o comboio de abastecimento.
O guia marcava o rumo das árvores; um grupo de foiceiros e machadeiros abria a picada de dois metros de largura. A marcha começava de madrugada e terminava ao meio dia, no lugar escolhido para o acampamento.
A 10 de outubro a expedição ia tocar na terra dos nambiquaras, estavam a 605 quilômetros de Cuiabá.’
O primeiro nambiquaras avistado estava colhendo mel com um machado de pedra, com o qual fez um orifício na colmeia para retirar o produto. Mas o ruído dos foiceiros despertou a atenção do indígena e ele se retirou.
RP: Os indígenas suspeitavam dos trabalhos de Rondon?
Roquette-Pinto: Sem dúvida, ‘os índios não eram indiferentes à invasão de suas terras pela coluna Rondon. Esperavam que chegasse ao Juruena para atacá-la. Fato que ocorreu em 22 de outubro.
RP: Desses trabalhos, riscos e aventuras, o que resta?
Roquette-Pinto: A História, em primeiro lugar, ela é fundamental para conhecermos a nós mesmos. Nesse sentido, a importância da obra “Rondônia” na qual coloquei alguns elementos dessa história e que depois desses anos todos acabou por se tornar não só um livro, mas um documento que serve de fonte para conhecer um pouco dos primeiros contatos entre brancos e índios, principalmente os parecis, não mencionados nessa entrevista, que viviam nessas terras de Vilhena.