Por Ivanor Luiz Guarnieri
[dropcap]O[/dropcap] ano era 1984. A cidade, Cascavel, no Paraná. Agricultores e trabalhadores rurais, que haviam sofrido com as barragens das usinas hidrelétricas se organizavam para as reinvindicações. A Igreja Católica, cumprindo uma função social que havia sido muito alardeada com a visita do Papa João Paulo II, procurava apoiar, tanto os sitiantes e pequenos agricultores, quanto outros trabalhadores e em alguma medida, mesmo fazendeiros que estavam na situação de verem suas terras serem afogadas pelas águas, e o perigo de terem diminuídos os recursos para o sustento de suas famílias. Fundou-se o MASTRO- Movimento dos Agricultores do Oeste. As dioceses de Cascavel e Chapecó, discretamente aos olhos da opinião pública, se mostravam preocupada com a situação e, claro, desejavam das autoridades responsáveis solução para o problema. Não eram a rigor invasões/ocupações, nem briga de ninguém contra ninguém que colocasse de um lado sem terra e de outros proprietários. Eram donos de terra que reclamavam das condições a que chegaram com as barragens.
A Igreja poderia dar as costas ao povo trabalhador e ficar apenas no altar dizendo que seu mundo só é válido no pós-morte. Mas seria doloroso ver seus filhos na fé sendo prejudicados, por uma situação criada pelo governo e não resolvida a contento por ele. Era uma atitude corajosa, num período ainda de ditadura militar com todos os reveses que esse poderia criar.
Muito tempo passou. O movimento dos trabalhadores hoje é o MST que, ao menos em Cascavel recebe dinheiro do governo por meio de ONG’s e tem levantado algumas bandeiras suspeitas, como a agressiva aversão à ciência da transgenia. Novos atores sociais se ocuparam do movimento, e proclamam uma forma de organização que se opõe em muitos aspectos à moderna agricultura capitalista. O socialismo brando de Hugo Chaves é elogiado e o de Cuba citado em profusão por alguns líderes do movimento.
Sobre o MST há prós e contra, e seguramente aos olhos da mídia, mais contra do que prós. Ocupação de terras produtivas e destruição de lavouras, de estações experimentais e de laboratórios e derrubada de laranjais foram mostrados pela TV, em alguns movimentos desastrosos do ponto de vista do marketing. Acusações de que seus líderes estariam cooptando trabalhadores na periferia das grandes cidades, para engrossar as fileiras do movimento, causaram estranheza, mas faz sentido. Considerando que os programas sociais do governo tem atendido número crescente de pessoas, o movimento viu seus quadros esvaziar. Além disso, na medida em que os trabalhadores conseguem terra para trabalhar, têm dificuldade em continuar fazendo ocupações. No fundo o que a maioria quer é cuidar de suas famílias e embora alguns líderes esbravejem contra o capitalismo é bem difícil incutir na mente dos trabalhadores ideias que os afastem do desejo de usufruir do conforto que o sistema pode oferecer e só está disponível para quem tem como comprar.
A questão de fundo pode ser sintetizada na pergunta: o que fazer com os pobres? Eu que estou comodamente escrevendo e você que me lê podemos não gostar da situação. Alguns se sentem incomodados pelos fatos fomentados pela pobreza e pelo oportunismo de alguns. Não convém culpar os trabalhadores sem terra, nem inocentá-los, nem aos fazendeiros, isso cabe à Justiça fazer em cada caso. Muito menos dizer que foi a Igreja que criou o MST, isso é leviandade, pois não foi a Igreja que criou a situação das barragens e, na época, acolhendo os pequenos agricultores mostrou-se equilibrada, embora não previsse e nem poderia prever, certos desvios.
A questão fundiária em Rondônia é bem diferente daquela no Paraná da década de oitenta. A violência também. O que há de semelhante é a questão da propriedade, desejada por todos, tanto pelos que querem se manter proprietários quanto pelos que querem tornar-se donos de terra, independente do tamanho desta.
Ser proprietário só faz sentido para a família se seus membros continuarem vivos. Convém cuidar de nossos trabalhadores.