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Vacinas contra covid-19 não causam Aids; saiba o que diz a ciência

O que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sugeriu em sua transmissão ao vivo no Facebook na quinta-feira (21), que as vacinas contra a covid-19 estão causando Aids em quem as recebeu no Reino Unido, não foi uma fala polêmica ou imprecisa — foi uma informação falsa.

As supostas notícias lidas por Bolsonaro na transmissão afirmavam que relatórios do governo britânico indicavam que vacinados estariam com o sistema imunológico enfraquecido e adquirindo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Na verdade, os documentos fazem a vigilância dos efeitos das vacinas na população ao longo do tempo e não citam a Aids ou qualquer prejuízo causado ao sistema imune nos vacinados.

A agência de checagem independente Aos Fatos fez uma verificação completa dos fatos (que pode ser confirmada pelo leitor) aqui.

A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia), diz que as falas do presidente são lamentáveis.

“Trata-se de uma campanha organizada para desinformar e prejudicar as pessoas. É proposital e muito grave”, afirma a cientista ao TecMundo.

Na noite do domingo (24), o Facebook decidiu tirar do ar o vídeo com a transmissão de Bolsonaro, mas o estrago já estava feito — milhares ou talvez milhões de brasileiros tiveram contato com uma informação falsa reproduzida pelo chefe do executivo e cabeça do governo brasileiro.

Até o momento, mais de 50% da população brasileira completou a vacinação com uma das vacinas contra a covid-19, e vários outros países estão com taxas semelhantes de vacinação. Embora nenhuma vacina contra nenhuma doença oferece proteção total e seja totalmente isenta de efeitos colaterais, assim como acontece com qualquer tratamento de saúde, os números da pandemia mostram que os imunizantes funcionam e são a melhor opção para combater a covid-19 e evitar ainda mais mortes.

O que diz a ciência?

Em outubro de 2020, um grupo de cientistas publicou uma carta na revista científica The Lancet, uma das mais respeitadas na área da saúde, fazendo um alerta sobre a relação entre vacinas contra covid-19 e Aids.

No texto, os pesquisadores relatam que, há cerca de uma década (ou seja, muito antes do surgimento da covid-19), um estudo com uma vacina experimental contra o HIV que usava o adenovírus do tipo 5 (Ad5) como vetor viral concluiu que os participantes homens não circuncidados que já haviam tido contato com o Ad5 e tiveram relação sexual sem proteção com pessoas soropositivas ou de status sorológico desconhecido tiveram um risco maior de contrair o HIV.

Vale lembrar que o sexo desprotegido é um comportamento de risco para o HIV, ainda mais em locais onde a circulação do vírus é elevada.

Bonorino diz que a carta está equivocada. “Os dados mostram que a vacina [experimental contra HIV] não funcionou, mas não provam que a vacina tenha causado Aids nessas pessoas”, afirma.

A pesquisadora explica que o Ad5 é um vírus causador de gripe comum, e muitas pessoas já tiveram contato com ele. Assim, é plausível pensar que uma vacina que usa o Ad5 como vetor viral, contra o qual muitas pessoas já desenvolveram anticorpos, pode não funcionar muito bem.

Para o médico e pesquisador Bruno Filardi, há um risco clínico teórico de uma vez receber a vacina de Adenovírus 5 e a pessoa ficar mais suscetível a contrair o HIV após a exposição ao vírus do HIV.

“TEÓRICO pois o fenômeno foi visto no laboratório e apenas em estudos de vacina para HIV. Não para covid”, escreveu o médico em seu perfil do Twitter.

Após meu tuíte afirmando que não há associação entre SIDA e vacinas contra Covid apareceram dezenas de perfis com isso:

Vale a pena explicar novamente onde está a falha de entendimento e o porque não há qualquer contradição???? pic.twitter.com/nm3NaqiQxk

Em outubro do ano passado, logo após a publicação da carta, alguns veículos de imprensa repercutiram o seu conteúdo, o que causou uma confusão ainda maior após as declarações de Bolsonaro na última semana.

As vacinas Sputnik V (russa) e o imunizante produzido pela chinesa CanSino usam o Ad5 em sua composição. Nenhuma das vacinas aprovadas no Brasil usa o Ad5 como vetor viral. Nem no Reino Unido, como pode ser verificado no site do Serviço Nacional de Saúde (NHS).

A vacina Sputnik V tem o Ad5 como vetor somente em uma das duas doses previstas, a outra aplicação conta com um adenovírus diferente.

Filardi afirma que não há relação estabelecida entre as vacinas contra a covid e a Aids. Para ele, o que foi visto no estudo com a vacina experimental contra HIV pode ser explicado ainda por um fenômeno comportamental do voluntário, que por pensar estar protegido contra a doença não segue protocolos de prevenção, como uso da camisinha.

De fato, os participantes do estudo que se infectaram fizeram sexo desprotegido com pessoas soropositivas ou de status sorológico desconhecido, como diz a carta publicada na Lancet. Esses resultados reforçam o que os cientistas vêm dizendo há décadas: que há comportamentos de risco que facilitam uma infecção: falta de camisinha (no caso da Aids) e recusar uso de máscara e distanciamento físico (no caso da covid-19).

Excesso de cautela

No dia 18 de outubro, a Autoridade Regulatória de Produtos de Saúde da África do Sul (SAHPRA) decidiu não aprovar o uso da Sputnik V no país, citando o possível aumento de risco de infecção pelo HIV. No domingo (24), a Namíbia seguiu a decisão da África do Sul e afirmou que deve suspender a aplicação da Sputnik V em seu território. Ambos os países, assim como outras nações no continente africano, sofrem com a alta circulação do HIV.

Em um comunicado divulgado pela agência Reuters, o ministro da Saúde da Namíbia disse que a decisão partiu do excesso de cautela.

As vacinas contra a covid não carregam nenhum elemento do vírus da Aids e não causam supressão no sistema imunológico, pelo contrário, elas estimulam e fortalecem o sistema imune para combater o SARS-CoV-2.

“As vacinas não enfraquecem a resposta imune, elas reforçam essa resposta. A prova disso é que a vacinação está fazendo diminuir os números de casos e mortes causadas pela covid-19”, afirma Bonorino. 

A decisão dos países africanos está relacionada à alta circulação do vírus do HIV no continente e ao risco ainda não comprovado de que as vacinas que usam o Ad5 podem aumentar o risco de se infectar com o HIV (mas somente nos casos em que há exposição ao vírus do HIV e comportamento de risco).

É importante repetir que o que está dito na carta publicada na Lancet em outubro de 2020 é que quem teve um risco maior de contrair HIV foram os participantes homens do estudo que receberam a vacina experimental e fizeram sexo desprotegido com pessoas infectadas pelo HIV ou de status sorológico desconhecido.

As vacinas causam alguma doença?

As vacinas não são feitas para causar doenças, mas sim para preveni-las. Para isso, elas usam um antígeno (um pedaço do patógeno ou ele inteiro e inativado) que ativa o sistema imunológico para produzir células de proteção contra um invasor específico.

Funciona assim: sempre que o corpo detecta um invasor que pode causar algum mal (bactérias, vírus etc.), inicia a produção de anticorpos e outras células de proteção voltadas para a eliminação do invasor recém chegado. Assim, as vacinas apresentam ao corpo um pedacinho do vírus que funciona como uma identidade para o corpo reconhecê-lo (o antígeno). É como se a vacina disse ao corpo: “Tá vendo esse cara aqui? Vai atrás dele e tira ele daqui!”

Quando a pessoa recebe a vacina, o corpo fica mais ágil e preparado para criar as células de proteção em massa e combater a infecção de uma maneira muito mais eficiente.

Mas e as pessoas que tomaram a vacina e tiveram febre e dores? Simples, a vacina necessariamente induz uma inflamação leve para ativar o sistema imunológico e, assim, dores ou febre podem aparecer. Isso é um sinal de que o sistema imune funciona.

Everton Lopes Batista da TecMundo





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