sexta-feira, 20 setembro, 2024
Sexta-feira, 20 de setembro de 2024 - E-mail: [email protected] - WhatsApp (69) 9 9929-6909





O novo ensino médio e o espírito da sociedade

[dropcap]D[/dropcap]eterminado mundo é feito de coisas concretas, visíveis. Outro mundo é feito de coisas não concretas, invisíveis. Podemos chamar o primeiro mundo de matéria e o segundo de espírito.

Por espírito, entendo, aqui, aquilo que compõe a inteligência e o pensamento. Não é, portanto, no sentido religioso do termo que me refiro à palavra “espírito”. Se eu conhecesse a língua alemã como deveria, poderia dizer que se trata da palavra “Geist” (espírito), ou mais especificamente ainda, “Zeitgeist” (espírito de uma época).

Atualmente está em discussão o Novo Ensino Médio. A iniciativa é louvável, pois o ensino em nosso País há muito tempo reclama melhorias. O modo como tem sido feita a proposta tem recebido críticas: justas algumas; outras, apenas grosseiras.

O Ensino Médio está muito médio. É certo que estar na média é melhor do que estar abaixo da média, porém é preciso ensinar acima da média. Eis o problema: o Brasil não consegue ensinar acima da média, pois quando ele alcança algum índice educacional melhor do que o anterior, outros países já avançaram mais ainda. Para piorar, tudo indica que nosso País está piorando em termos de educação. Isso se deve pelo avanço extraordinário das pesquisas em ciências; por conta das novas tecnologias advindas do progresso científico; e pelo atraso em investir e fiscalizar a aplicação do dinheiro destinado ao ensino, uma vez que é pelo ensino que se difunde o conhecimento científico.

Tudo isso tem a ver com o modo de vida atual. Aviso que é impossível escapar do atual modo de vida, pois estamos nele mergulhados como o peixe na água. Contudo, dá para melhorar a qualidade da água, emporcalhando menos o ambiente. Assim como dá para melhorar o ar que respiramos, agredindo menos a atmosfera com queimadas evitáveis. Aqui estou usando a comparação da água e do ar com o “Zeitgeist”, ou seja, com o espírito de nossa época. Seria possível melhorar esse espírito coletivo, no qual estamos mergulhados?

Quando pensamos em ensino, pensamos em escola. A escola está inserida em determinada sociedade. A escola deve servir a sociedade. Mas quem irá servir à escola? Parece um círculo vicioso imaginar que a sociedade determina o tipo de ensino e que o tipo de ensino determina, em muitos aspectos, a própria sociedade. Escola e Sociedade devem servir-se mutuamente.

Então, vem o Governo Federal e apresenta o miraculoso Novo Ensino Médio. A intenção é boa, me parece. Mas a intenção não é o resultado do que se pretende. O resultado é a consequência do que se quer colocar na ordem do dia em termos de ensino. Será bom? Só o tempo dirá. Quem quer mentir fale a respeito do que pensa que vai acontecer no futuro. Não vou arriscar.

É possível perceber, contudo, que a reforma do ensino exige algumas coisas básicas: Acima de tudo um projeto bem delineado. Depois, que o projeto seja claro e bem conhecido. Também que a maioria dos interessados (senão todos), saiba exatamente onde se quer chegar e com quais meios. E que, uma vez definidas as coisas, o projeto não seja abandonado.

Qualquer um que conheça minimamente a história da educação de nosso País sabe que os planos e projetos voltados para o ensino são anunciados com pompa, para serem esquecidos rapidamente. Os projetos que os governos tentaram colocar em prática esbarraram na apatia geral dos profissionais de ensino, exauridos pelos problemas de sempre: baixo salário, falta de incentivo ao estudo (quando não dificuldades para quem quer estudar), e, no extremo, falta de respeito e de educação por parte de alguns alunos e vice-versa. Esses são alguns dos problemas que rugem nos corredores e salas de aula Brasil afora.

De sorte que, para o velho problema do ensino, o governo insiste em velhos remédios, necessários, talvez, mas insatisfatórios.

O ensino vai ser muito bom quando a percepção que temos dele mudar. Não é possível valorizar o ensino se a sociedade onde ele acontece pouco se importa com ele. Discutimos muito sobre a PEC 241 (depois PEC 55), mas sobre o Ensino Médio quase nada. Falhamos em nossa própria área de atuação (faço, aqui, minha ‘mea culpa’). Mergulhados que estamos no “Zeitgeist” brasileiro que afasta cada vez mais a atenção do que importa e nos joga no debate estéril acerca da política em migalhas.

O espírito que dirige o mundo da matéria está contaminado demais por coisas de menos, e de menos por coisas que são maiores. Nada pode ser maior para o espírito (inteligência) do que aquilo que prepara nossas inteligências e pensamentos, ou seja, o ensino. É o ensino que nos faz aprender muitas coisas, para além da experiência cotidiana. Convém cuidar mais do Ensino que tem se mostrado apenas médio.




Mais notícias






Veja também

Pular para a barra de ferramentas