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A Chegada; artigo do professor Ivanor Luiz Guarnieri

Jô Soares escrevia para a Revista Veja. Eu assinava essa revista que depois caiu em descrédito aos olhos de muitos, pois informação e análise não são compatíveis com exageros e grosserias. Criticar de modo enfático é uma coisa, pintar as pessoas como se fossem diabos é outra coisa bem diferente. Assinei o Jornal “O Estado de São Paulo”, recebia todo dia em minha casa, impresso, e o contentamento da leitura de Daniel Pizza, João Ubaldo Ribeiro, Luís Fernando Verissimo, Dora Kramer e tantos outros colocavam algum conteúdo em minha cabecinha oca e curiosa.  Mas, voltando ao Jô Soares, certa vez li uma frase sua, na Veja, que definia a velhice como aquele momento no qual olhamos para os livros nas estantes e questionamos: “qual deles não vou ler? ”

Já ouvi muitas pessoas falarem muito bem de Jô Soares, ouvi alguns poucos falando mal dele. Entre as línguas do bem e do mal existe o homem, humorista, escritor que com seu trabalho divertia e instruía. Quando ele associou a velhice à leitura de livros fiquei inquieto, e isso é sinal de inteligência expressa em forma de piada.

Hoje lemos jornais on-line. Não sujamos mais os dedos com a tinta das rotativas, nem precisamos nos preocupar com o descarte dos papeis jornal que se avolumam. Contudo, não temos mais a chegada do motoboy que regularmente jogava no jardim o pacote com o periódico impresso e, com isso, era como um despertador a avisar que a hora da leitura das notícias chegara.

Textos on-line são textos sem chegada prevista. Mudam a todo momento conforme os acontecimentos são retratados nas páginas eletrônicas. O prazer de ver o próprio texto exposto em bancas de jornal ficou mais distante. Mas as chegadas continuam.

Quando a campainha toca não é mais o jornaleiro, é o entregador. Se a caixa vier com livros, então a nostalgia é reavivada. São visitas que ficarão conosco para sempre. Para sempre é exagero, mas pelo menos ficarão por toda vida. Ao menos assim esperamos. Ninguém convida José de Alencar ou Liev Tolstói, Dante Alighieri ou Albert Camus com desejo que eles fiquem só um pouquinho. Ficarão conosco até que o caixão se feche. Depois, claro, se tornarão novamente mercadoria a ser vendida on-line em alguma loja virtual.

Quem terá coragem de vender os livros do papai ou do vovô quando ele se for? O tempo terá essa coragem. O cuidado com a limpeza dos livros, o espaço que eles ocupam, o cheiro de mofo que exalam se não forem bem cuidados se encarregarão de alimentar a coragem para a venda. É difícil imaginar pessoas de geração mais nova com paciência para abrir livros físicos quando estão fascinados pela luz das telas de computadores e leitores eletrônicos. Uma pena, talvez. Que mudem os suportes, mas permaneça a curiosidade que busca saciar-se adquirindo saberes.

Prof. Dr. Ivanor Luiz Guarnieri (UNIR)

A chegada de livros acontece nas casas de quem é chegado a livros. Não sei de outra mercadoria capaz de causar impacto tão grande em nossas cabeças como os livros. É possível ficar dopado com remédios, em especial aqueles usados como anistia para se poder operar os pacientes. Mas eu vejo que os livros têm algo que nos deixa dopados, não fora da realidade, mas conforme a graça do texto é como se o livro fornecesse dopamina, que, como sabemos são aqueles neurotransmissores que nos enchem de alegria (como é o caso da adrenalina), e nos conduzem a um mundo construído apenas em palavras e reconstruído em imagens mentais que operam nossa mente.

Feita a cirurgia mental por meio da leitura, os olhos nunca mais verão o mundo com as mesmas cores de antes. É um processo lento, e quando nos damos conta é como se não fossemos mais a mesma pessoa, por pensarmos muito diferente do que até algum tempo atrás. Envelhecer lendo não é melhor nem pior, é só diferente do que apenas ficar velho.





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