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A regra e o jogo; artigo do professor Ivanor Luiz Guarnieri

[dropcap]O[/dropcap]s ingleses são famosos, e ricos, criaram muitos dos esportes conhecidos atualmente, entre os quais o futebol. Esporte está associado à vitória e derrota, ganhos e perdas, sucesso e fracasso, que são os elementos mais visíveis e os resultados mais destacados da prática desportiva. Outra que merece destaque é a regra do jogo. Raramente questionadas, as regras são lembradas quando ocorre uma infração. Nesse caso as intermináveis discussões sobre erros de arbitragem, equívocos dos atletas que prejudicaram a equipe e os lamentos costumeiros dos derrotados que estariam mais felizes se os erros lhes favorecessem ao invés de prejudicar.

Na vida cotidiana as regras marcam o dia a dia de cada cidadão. Desde as mais simples como pedir desculpas, respeitar os outros, enfim, as chamadas regras de boas maneiras ou de educação, até as mais sofisticadas que dizem respeito a cerimônias públicas, nas quais o protocolo dita regras de ação a serem executadas nos vários momentos.

Por fim, e para não se estender muito, existem as regras ditas democráticas. Uma delas determina que a vontade da maioria deve ser respeitada. Desse modo, colocado em discussão um assunto, ou a escolha de um projeto, na hora de votar decide-se antecipadamente que será acatado aquilo que a maioria dos votantes escolherem. Essa é a regra do jogo, e os derrotados não podem alegar mal feito, pois aceitaram antecipadamente que seria assim. As pessoas que não tem sua vontade acatada nesse jogo pensavam que seriam vitoriosas na votação, senão se revoltariam antes.

Um pouco do que ocorre de algum tempo no combate ao crime, no Rio de Janeiro, tem a ver com as regras. O poder de criar leis e fazer com que sejam respeitadas é exclusividade do Estado. Pode-se criar regras de funcionamento interno, como fazem as empresas, instituições, grupos de estudo, entre tantos outros. Mas isso desde que não afronte a lei. Alguém que na condição de líder queira impor sua vontade arbitrariamente está sujeito aos rigores da lei. Contratar uma pessoa para um serviço e forçá-la a realização de outro, humilhar publicamente um subordinado, tratar com desprezo alguém que está sob sua liderança são ações passíveis de processo judicial com indenização pelo sofrimento moral ao qual foi submetida a vítima. São exemplos simples de como a lei do Estado está sempre acima das deliberações particulares e servem como regra de arbitramento nos litígios. Cabe sempre ao Estado, nesse caso ao Judiciário, a palavra final. Exceto quando a pessoa, não conseguindo resolver na forma da lei, decide resolver com os fora da lei. Os casos de morte por encomenda são exemplo disso.  Mesmo assim vale a regra anterior, pois o Estado poderá e deverá punir o assassino.

Apelidado de ‘poder paralelo’ o crime no Rio de Janeiro se impunha sobre as comunidades. Visto por alguns como solução para o Estado ausente, os gerentes das bocas de fumo, ou mesmo os chefes do tráfico, eram procurados para que solucionassem pequenos roubos. O problema é a discricionariedade. Nascida da cabeça de alguns despreparados, seguidamente as sentenças determinavam a morte do réu. Nos famosos microondas, a queima de pessoas julgadas culpadas pelos traficantes trouxe a repulsa de muitos.

Impondo suas regras, celebridades internacionais, como Michael Jackson, precisavam da autorização dos bandidos para subir o morro. A farda do policial, sinal visível da presença do Estado, que em princípio deve garantir a Lei e a Ordem, tornou-se por algum tempo sentença de morte para quem a usasse fora do horário de expediente e em condições e lugares bem definidos.

A ação do governo deslocando força policial, e batendo de frente com os bandidos, mostra que esses últimos não eram assim tão fortes quanto se supunha. Ou estão fazendo um recuo estratégico. Por outro lado, seria curioso saber por que depois de tantas décadas o governo resolveu agir de modo contundente. Certo, é preciso combater o crime, apoio para isso não falta, já não era sem tempo. Mas porque só agora? Seria a Copa do Mundo de Futebol? As Olimpíadas? Se for isso, vale mais dois eventos esportivos efêmeros do que as centenas de cidadãos mortos pelos traficantes? E os milhões de cariocas aterrorizados por décadas, não contam? E o combate será apenas no Rio de Janeiro? Ora, o crime está espalhado pelo País inteiro. São Paulo e o PCC serão lembrados?

Ivanor-ArtigosAs informações que chegam são muito trabalhadas pela plástica da televisão. Faltam análises, debates e informações mais detalhadas sobre o por que, muito mais do que sobre o como estão sendo feitas as coisas.

A Inglaterra tornou-se potência criando e seguindo regras. Que no Brasil, que pretende ser potência, não o seja apenas na economia e no futebol, mas também no respeito aos cidadãos, entre os quais o respeito à Vida. E aos que não respeitam as regras do Estado democraticamente organizado, seja dado o cartão vermelho, na forma da Lei. Nisso pode estar parte da diferença entre a vitória e a derrota, o sucesso e o fracasso de uma Nação.

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