Tudo já parece ter sido dito sobre como estudar e aprender melhor. Não basta só estudar, é preciso aprender. Em tempos de apurada necessidade de aprender sempre mais e mais rápido, dicas e recomendações surgem como água de alagamento vazando pela internet. Coloquemos mais algumas gotas.
A preocupação com o aprendizado é antiga. Para ir além da aula de Filosofia, achei por bem partilhar um velho estudo a respeito do assunto. Trata-se de importante documento, datado do século XIII, uma carta, escrita por Tomás de Aquino (1225-1274); ela é endereçada a certo frei João, da ordem religiosa dos Dominicanos, a qual também pertencia Aquino. Frei João pedia sobre como deveria fazer para aumentar seus conhecimentos.
Em tradução realizada do latim por Jean Lauand e aqui no Brasil publicada no “Cadernos de História e Filosofia da Educação” EDF-FEUSP, vol. II, No.3, 1994”, a carta tem treze regras das quais se depreende a ligação entre estudo e vida. Deixemos que o próprio Tomás de Aquino fale. Eis a Carta:
“SOBRE O MODO DE ESTUDAR
Tomás de Aquino
Já que me pediste, frei João – irmão, para mim, caríssimo em Cristo -, que te indicasse o modo como se deve proceder para ir adquirindo o tesouro do conhecimento, devo dar-te a seguinte indicação: deves optar pelos riachos e não por entrar imediatamente no mar, pois o difícil deve ser atingido a partir do fácil. E, assim, eis o que te aconselho sobre como deve ser tua vida:
- Exorto-te a ser tardo para falar e lento para ir ao locutório.
- Abraça a pureza de consciência.
- Não deixes de aplicar-te à oração.
- Ama frequentar tua cela, se queres ser conduzido à adega do vinho da sabedoria.
- Mostra-te amável com todos, ou, pelo menos, esforça-te nesse sentido; mas, com ninguém permitas excesso de familiaridades, pois a excessiva familiaridade produz o desprezo e suscita ocasiões de atraso no estudo.
- Não te metas em questões e ditos mundanos.
- Evita, sobretudo, a dispersão intelectual.
- Não descuides do seguimento do exemplo dos homens santos e honrados.
- Não atentes a quem disse, mas ao que é dito com razão e isto, confia-o à memória.
- Faz por entender o que lês e por certificar-te do que for duvidoso.
- Esforça-te por abastecer o depósito de tua mente, como quem anseia por encher o máximo possível um cântaro.
- Não busques o que está acima de teu alcance.
- Segue as pegadas daquele santo Domingos que, enquanto teve vida, produziu folhas, flores e frutos na vinha do Senhor dos exércitos.
Se seguires estes conselhos, poderás atingir o que queres.
Saudações.”
Próximos dos exames finais deste ano, mas para toda a vida, os estudantes podem tirar proveito das sugestões dadas acima por Tomás de Aquino. A começar pela primeira que sugere ao estudante fechar a boca. De fato, se quiser melhorar a concentração nos estudos é necessário calar-se. A displicência na leitura e a falta de atenção às lições em sala de aula tem na tagarelice uma das principais causas. Sobre esse tema discutiu Walter Benjamin (1892-1940). O contexto de Benjamin é outro, mas a ideia é de que a pessoa melancólica/quieta tem mais condições de desenvolver bons raciocínios pelo fato de estar focada, enquanto o conversador teria mais dificuldades, pois a bobice alegre tira a atenção do que realmente interessa, a saber: o aprendizado da ciência e a consequente aquisição do conhecimento que importa. Por isso, além da regra um, também a regra quatro da carte de Tomás de Aquino chama a atenção para a necessidade de recolhimento: “Ama frequentar tua cela…”, ou seja, para estudar e meditar nos estudos, fecha-te no teu quarto, em clima de recolhimento obviamente.
Acima de tudo, a carta chama a atenção para a estreita ligação entre o estudar e as atitudes pessoais. Nesse sentido, estudo e vida são indissociáveis. A maior parte das regras dão ênfase a esta ligação (regras 2, 3, 5, 6, 8, 9 e 13). A regra seis, “não te metas em questões e ditos mundanos” parece ter sido escrita para os dias de hoje, quando se observa muita gente comentando sobre quase todas as coisas, dando sua ‘opinião’ aos berros na internet (aos berros, pois alguns escrevem em caixa alta, que significa “grito”, grosseria tão comum em comentários encontráveis em redes sociais).
Num momento em que as pessoas são convidadas a falar e emitir opinião, votar e dizer o que pensam sobre muitas coisas, as regras de Tomás de Aquino solicitam mais reflexão. Quem for capaz de realiza-las certamente terá o espírito mais preparado para ir adquirindo o conhecimento que realmente interessa para estudantes dignos deste nome: o conhecimento científico. O resto é conversinha que atrapalha os estudos.