Em uma transmissão ao vivo de vídeo em 6 de abril, a modelo britânica e ativista assexual Yasmin Benoit moderou um painel com participantes da Bélgica, Brasil, Vietnã, Paquistão, Nepal e Nigéria.
Todos eles se identificavam dentro do espectro assexual (“ace”) e/ou arromântico (“aro”). E debateram sobre o engajamento da comunidade assexual em seus respectivos países, como parte de um evento em homenagem ao primeiro Dia Internacional da Assexualidade.
As experiências deles variavam. Na Bélgica, Martine contou que encontrou demonstrações de apoio e inclusão por parte do governo e da organização LGBTQIA+ mais ampla; por outro lado, Jan, na Nigéria, observou que as leis “criminalizam os encontros queer”.
Mas, independentemente da localização global, a questão da visibilidade estava no centro de quase todas as respostas.
De fato, a assexualidade — não sentir atração sexual por outras pessoas, como costuma ser definida — tem sido chamada de “orientação invisível”.
Ela tende a ser mal interpretada e pouco discutida; muitos costumam não acreditar que alguém possa realmente ser assexual ou ignoram totalmente a assexualidade.
Equívocos comuns sobre a assexualidade incluem que essa orientação sexual equivale ao celibato (não é verdade), ou que é uma escolha (é uma orientação), explica Michael Doré, membro da equipe do projeto global Asexual Visibility and Education Network (AVEN).
Alguns também acreditam erroneamente que alguém só é assexual se nunca sentiu atração sexual ou praticou sexo.
Mas a assexualidade é um espectro, em que alguns podem se identificar como demissexual, por exemplo, o que significa que não sentem atração sexual até formar um vínculo emocional com alguém.
Também não é sinônimo de arromantismo, o que se aplica a quem não sente atração romântica.
Apesar da confusão e ‘invisibilidade’, as vozes assexuadas têm se tornado mais altas e exigido reconhecimento na última década.
Indivíduos, ativistas e grupos começaram a contar suas histórias para um público mais amplo e a desfilar em paradas do Orgulho LGBTQIA+ ao redor do mundo.
Agora, os esforços dos ativistas assexuais estão em manter esse trabalho e amplificar as vozes assexuais fora dos países ocidentais de língua inglesa, de onde vem a maior parte das histórias e do ativismo assexual.
Como resultado, junto ao novo dia internacional, estão surgindo iniciativas para tirar a assexualidade das sombras — tornando mais fácil para as pessoas se declararem assexuais em todo o mundo.
‘Não é nada demais como era antes’
Uma consciência limitada da assexualidade tornou mais difícil para as gerações passadas de jovens perceberem suas identidades — até mesmo os millennials.
Anahí Charles, de 34 anos, que mora no México, começou a ver que era diferente de suas colegas no ensino médio.
Enquanto todas babavam pelos integrantes da banda americana Backstreet Boys, Charles não conseguia entender aquele fascínio.
Eles pareciam “esteticamente bonitos”, diz ela, o que não era suficiente para compreender o que fazia suas amigas serem tão loucas por eles.
Charles levou vários anos — bem depois desse episódio na juventude — para aprender sobre sua orientação e encontrar seu lugar no espectro ace/aro.
Sem acesso a fontes sobre a assexualidade, Charles diz que estava “em negação” por não sentir atração sexual por ninguém.
Mesmo depois de ficar sabendo sobre a assexualidade por meio de um post na página Have a Gay Day no Facebook, em 2013, ela ainda questionava se havia algo “errado” com ela.
Charles fez exames médicos e testes hormonais para tentar descobrir o que estava acontecendo. E estava completamente saudável.
O atestado de boa saúde serviu de catalisador para a autoaceitação. Ela encontrou mais informações sobre assexualidade no Facebook e percebeu o quanto ela se relacionava com aquilo.
Um ano depois, virou administradora de um grupo assexual do Facebook no México.
Da mesma forma, nos Estados Unidos, Marisa Manuel, de 28 anos, lutou para denominar sua orientação. Ela ouviu o termo “assexual” pela primeira vez quando estava no colégio, mas diz que estava “mal informada” sobre seu significado.
“Alguém me disse que eram pessoas que queriam ficar sozinhas”, relembra.
“Gosto de estar perto das pessoas.”
Na faculdade, ela conheceu alguém que se identificava como ace, o que a levou a aprender mais sobre o que isso realmente significava.
Ela percebeu o quanto se identificava com o que descobriu e, desde então, abraçou totalmente sua identidade — passou a escrever artigos sobre sua identificação como ace, assim como resenhas de livros de autores ace.
Felizmente, as gerações mais jovens podem ter acesso agora a mais informações sobre a assexualidade — e também ser mais empoderadas a expressar suas identidades.
A representatividade e os recursos aumentaram significativamente desde que Charles e Manuel estavam na escola.
Paralelamente ao aumento das informações disponíveis em larga escala, as pessoas também se identificam prontamente como ace nas plataformas de rede social e fazem questão de compartilhar detalhes sobre suas experiências com outros usuários.
‘Representatividade é um recurso’
Uma representatividade maior é fundamental para permitir que as pessoas reconheçam e entendam a assexualidade, assim como normalizem essa orientação.
“A representatividade é um recurso”, diz Manuel.
E embora alguns recursos tenham aumentado, a representatividade — sobretudo na mídia convencional — ainda não é satisfatória, ela acrescenta.
No entanto, há outros meios em que a visibilidade está aumentando.
Pessoas com plataformas maiores, como a modelo britânica Benoit e a drag queen Venus Envy, falam abertamente sobre sua identificação como aces para grandes bases de fãs em vários canais de rede social.
Há também uma representatividade cada vez maior na literatura; autores no espectro ace, incluem Darcie Little Badger, Akemi Dawn Bowman e Maia Kobabe.
Personagens de ficção também ajudam, como Todd Chavez do livro Bojack Horseman, de quem Manuel tem uma estatueta de plástico.
Ela está tentando aumentar esta lista cada vez maior de representatividade.
Antes do Dia Internacional da Assexualidade, Manuel criou o AceChat, uma conta no Instagram em que compartilha regularmente histórias de diferentes pessoas que se identificam como ace.
A recepção foi positiva, e ela continua ouvindo indivíduos que querem contar suas histórias. Há agora cerca de 100 pessoas envolvidas.
Manuel diz que o próximo passo é expandir o alcance do AceChat. Pessoas da França, Rússia, Vietnã, Reino Unido e Canadá já começaram a entrar em contato, e tradutores também se juntaram à causa.
A tradução pode ser fundamental, já que alguns lugares têm comunidades ace menores do que outros, o que significa que geralmente têm menos recursos e menos informações disponíveis para pessoas que buscam aprender sobre a assexualidade em seu idioma.
Em Moscou, Daniel, de 20 anos, que está omitindo seu sobrenome por questões de segurança, conta que a comunidade ace/aro da qual faz parte tem apenas cerca de 50 membros.
“Poucas pessoas conhecem termos como ‘assexual'”, diz ele, talvez em parte por causa da intolerância às comunidades LGBTQ+ no país.
Como muitas histórias e materiais ace estão em inglês, Daniel tem se empenhado em traduzi-los para russo.
Ele diz estar otimista que a assexualidade terá mais reconhecimento nos próximos anos, mesmo em seu país de origem.
‘Não desistimos’
Junto às lutas históricas das comunidades ace para ganhar mais visibilidade, elas também tiveram que trabalhar para serem vistas dentro dos grupos LGBTQIA+.
Isso pode causar surpresa, uma vez que a identidade assexual também é frequentemente incluída quando nos referimos a comunidades queer (por exemplo, no acrônimo de inclusão ‘LGBTQIA’, em que ‘A’ significa ‘assexual’.)
Charles, que organizou encontros assexuais na Cidade do México, sentiu isso na pele.
Ela diz que seu grupo desfilou pela primeira vez como um coletivo na Parada do orgulho LGBTQIA+ em 2015, mas a grande comunidade LGBTQIA+ de lá ainda não tinha aceitado as pessoas que se identificam como ace de braços abertos.
“Tinha até gente da comunidade LGBTQIA+ com pena de nós, dizendo: ‘Não queria estar no seu lugar'”, relembra.
“Mas não desistimos.”
Grupos como o de Charles e suas iniciativas educacionais subsequentes realmente ajudaram a fazer a diferença.
Ela conta que quando voltou à Parada do orgulho LGBTQIA+ com um grupo maior no ano seguinte, “fomos mais bem recebidos porque havia mais informações”.
“Não foi como, olha lá aqueles esquisitos, estão desfilando de novo”, diz ela.
“Foi mais como, olha os assexuais, estão desfilando de novo.”
Nessa luta pela aceitação, os grupos de assexuais têm crescido e prosperado.
Um dos grupos assexuais internacionais mais proeminentes é o AVEN, fundado em 2001 pelo ativista assexual David Jay.
Michael Doré, que se juntou à organização em 2009 no Reino Unido, diz que a AVEN surgiu com dois objetivos principais: “construir uma comunidade e… legitimar a assexualidade como orientação sexual”.
Seu número crescente de membros chega atualmente a 135.539, de acordo com Doré.
Agora, a oportunidade de educar e aumentar a visibilidade expandiu ainda mais. A AVEN, que recentemente completou 20 anos, aproveitou o aumento das comunicações virtuais durante a pandemia para fortalecer suas conexões globais.
Esses bate-papos virtuais internacionais acabaram estabelecendo um dia único dedicado à celebração da assexualidade em todo o mundo: o Dia Internacional da Assexualidade.
“Sentimos que este dia era necessário”, diz Doré, que deixa claro que a data não é propriedade da AVEN ou de nenhuma organização.
“É uma coisa genuinamente internacional.”
A criação da data não só estabelece um dia anual de visibilidade, como também marca o surgimento de um intenso esforço internacional para reunir uma comunidade pouco reconhecida, ajudando indivíduos e grupos assexuais em países onde falta informação e representatividade a obter acesso a esses recursos.
Atualmente, diz Doré, há uma consciência cada vez maior da assexualidade em países da Ásia — sobretudo na Índia, ele observa, onde o grupo Indian Aces está prosperando no Facebook.
Novos grupos dedicados à assexualidade também surgiram em toda a África nos últimos anos, acrescenta ele.
Mas, embora haja bons sinais de avanço, as pessoas continuam a interpretar mal a assexualidade.
Manuel conta que escreveu um artigo sobre relacionamento assexual para o site Huffington Post há dois anos, que teve boa acolhida.
No entanto, quando o artigo foi compartilhado de novo recentemente, “houve muito mais reações negativas” na seção de comentários, diz ela
As pessoas escreveram que ela estava confusa, insistindo que ela não estava à procura de um namorado — mas, sim, de amigos.
“Isso me fez perceber que, por mais que a gente tenha avançado na questão da representatividade e visibilidade, ainda não chegamos lá”, conclui.
Jessica Klein
BBC Work Life