sexta-feira, 20 setembro, 2024
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De povo a ninguém

Poderia escrever algo sisudo, com tons de reflexão a mais rebuscada que pudesse articular. Os tempos são graves e exigem olhares pesados e rostos taciturnos. Os cenhos franzidos denunciado profundidade de pensamento e a mão colocada no queixo, sinal de ideias difíceis a serem pronunciadas. Mas, pensando melhor, talvez uma simples história possa dizer mais propriamente o que deve ser anunciado.

Meu nome é José. Desses que andam por aí, suando as costas sob o sol do País, cavando, produzindo, trabalhando. Feliz por ter nascido num país onde o cuidado comigo sempre foi muito acentuado. Não só os da família, pois isso é quase obrigação dos que põe filhos para trilhar o mundo. É a preocupação de gente grande, importante e poderosa que me comove. Agora então, o carinho por mim se acentua. Ouço o rádio, e falam de mim. Ligo a TV e me dizem o que farão ainda mais por minha pessoa. Chega a ser comovente a abnegação e a vontade em me fazer o bem.

O sono tranquilo tem sido meu companheiro nas últimas noites. Sei que os problemas, se existem, serão todos resolvidos e com isso durmo tranquilo como um bebe bem alimentado. O que ouço me tranquiliza. Deixa, contudo, uma questão em aberto. Uma simples questão. Coisa boba de quem não precisa mais se preocupar com nada. Afinal, tudo está resolvido e se não estiver, pessoas da mais alta importância virão em meu socorro. A tal questão aludida, coisa pouca, é querer saber por que tantos engravatados resolveram trabalhar tanto por nós, por mim,  simples Zé do Povo. Fico imaginando o sacrifício que farão em enfrentar decisões difíceis, suportar os achaques de gente interesseira, e tudo isso só para nos ajudar. É muita bondade  querer meu bem, mais do que o bem próprio. Ora, a julgar pelo que dizem seriam capazes de dar a vida, como de fato dão, em prol do povo.

O povo, esse nome sob o qual a maioria do rebanho, perdão escrevi errado. O povo, esse nome sob  o qual a maioria das pessoas simples são classificadas, como eu: Zé do Povo, é o motivo da devoção Deles.

Vi muitas vezes (cada dois anos para ser mais preciso)  o empenho com que se dedicam a nós, gente do povo. A cada temporada  renovam as esperanças. Promessas bonitas. Povo feliz. Claro que se até agora não deu para fazer muita coisa, mas não faltou empenho. É preciso ser paciente. Não se pode querer tudo num país afortunado e pródigo de gente caridosa como a nossa.

É bonito ver como povo vira gente. Aperto de mão, beijos em crianças e muitas outras cenas de alegrar os corações mais tristes. No Paraná ouvi dizer de certo candidato que depois de apertar a mão das pessoas usava álcool para se desinfetar. Só ouvi dizer. Eu mesmo nunca vi. E duvido até que alguém que sorri tão prontamente para nós, gente do povo, não se sinta orgulhoso em carregar o cheiro da mão amiga que jura amar.

Pena que depois das eleições essas pessoas amáveis e sensíveis deem uma desaparecida. Não é culpa deles. Os que se elegerem estarão muito ocupados cuidando de nosso bem estar. Empenhados em melhorar a educação, saúde e segurança, terão pouco tempo para atender o povo. Pedir alguma coisa para eles será muito difícil. Os canais são fechados e as verbas públicas meio sumidas.

Depois do voto dado não se é mais eleitor propriamente, volta-se à condição de cidadão. Título bonito: cidadão. Mas aí será meio órfão. E meio órfão é órfão inteiro.

Já que não dá para fazer tudo, é preciso que o povo tenha paciência com eles depois de eleitos. E voltar a fazer fila nas portas das escolas. Sim, porque não? Uma vaguinha para o filho estudar em alguma escola onde a segurança foi dispensada para alegria dos ladrões. Boas escolas, onde o povo feliz comemora festas juninas, momento de confraternização e propício a pagar o que o governante não fez: reforma e manutenção, materiais. Não por má vontade de quem se elege. O povo sabe quão empenhado os governos são em atendê-lo.

Ivanor-ArtigosO dinheiro público é pouco e eu, simples Zé do Povo não vou dizer que desconfio que nunca seja suficiente. Mas, se fosse suficiente os homens que tão amavelmente nos acariciam agora não deixariam de fazer o que prometem. Dariam salário igual ao deles para os policiais, professores e médicos, atacando de frente os maiores problemas do país. A menos que a segurança, a saúde e a educação deles e de seus filhos seja melhor que a do povo ao qual prometem e juram ajudar.  Não quero pensar nisso. Senão pode vir censura, quem sabe até uma perseguiçãozinha. Sei lá. Os tempos andam difíceis e posso ser reduzido de Zé do Povo a apenas mais um ninguém. Ninguém é o nome da pessoa que pede ajuda aos eleitos e ouve: “lamento, mas hoje não posso atender mais Ninguém”; “Diga à minha secretária que não estou para Ninguém”; “Lamento, mas não posso fazer mais nada por Ninguém”. Será que depois das eleições o povo querido se tornará Ninguém. E como Ninguém não existem não precisa fazer nada por ele.




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