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Exército nas ruas e caminhoneiros travando o país: mensagens falsas inflamam bolsonaristas no Telegram

Reprodução de um vídeo com imagens de veículos do Exército
Vídeos compartilhados em redes bolsonaristas sugerem movimentações militares para o 7 de Setembro

Às vésperas dos atos convocados pelo presidente Jair Bolsonaro para o feriado de 7 de Setembro, grupos de apoiadores no Telegram se tornaram terreno fértil para mensagens falsas ou enganosas que disseminam um clima de tensão.

São vídeos, fotos e textos anunciando possível bloqueios das redes sociais no país, paralisações de caminhoneiros para travar o Brasil e movimentações das Forças Armadas que visariam alguma ação no dia dos protestos.

Essas mensagens dividem os integrantes do grupo: parte dos próprios usuários alertam que as mensagens são falsas, apontando que muitas se tratam de vídeos antigos, de anos atrás, ou que já foram desmentidas por fontes confiáveis.

Outro ponto que gera desentendimento entre os usuários é como os manifestantes devem agir em suas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional, Poderes que os bolsonaristas veem como inimigos do presidente.

Parte dos apoiadores de Bolsonaro compartilham mensagens defendendo a cassação dos ministros do STF e o fechamento do Congresso, inclusive propondo ações violentas no dia 7 de setembro, enquanto outros repudiam esses discursos e reforçam que os atos devem ser pacíficos e trazer a bandeira da “liberdade” em contraponto ao que veem como investigações autoritárias no âmbito do Supremo contra aliados do presidente.

O próprio presidente, porém, elevou o tom de suas declarações nos últimos dias, com ameaças golpistas ao Supremo.

Na sexta-feira (03/09), Bolsonaro disse que que os atos de 7 de setembro serão um “ultimato” para dois ministros do STF, em referência a Alexandre de Moraes, que conduz as investigações contra o próprio presidente e seus apoiadores, e a Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Corte que abriu apuração contra os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica.

Já no sábado, em uma motociata no interior de Pernambuco, Bolsonaro falou na possibilidade de uma “ruptura” institucional.

“O STF não pode ser diferente do Poder Executivo ou Legislativo. Se lá tem alguém que ousa continuar agindo fora das quatro linhas da Constituição, aquele Poder tem que chamar aquela pessoa e enquadrá-la, e lembrar-lhe que ele fez um juramento de cumprir a Constituição. Se assim não ocorrer, qualquer um dos três Poderes, a tendência é acontecer uma ruptura”, ameaçou.

“Ruptura essa que eu não quero nem desejo. Tenho certeza, nem o povo brasileiro assim o quer. Mas a responsabilidade cabe a cada poder. Apelo a esse Poder que reveja a ação dessa pessoa que está prejudicando o destino do Brasil”, discursou ainda.

Vídeos sugerem mobilização militar

A BBC News Brasil acompanhou na última semana grupos de bolsonaristas no Telegram. Ao reproduzir as mensagens compartilhadas, a reportagem manteve eventuais erros de digitação, concordância e pontuação.

Uma dessas comunidades no Telegram é o SUPER GRUPO B-38 OFICIAL, que tem mais de 35 mil membros e se declara em sua descrição como “O MAIOR GRUPO DE APOIO A BOLSONARO NO BRASIL!!!”.

Desde a última semana, circulam vídeos de movimentações de tropas do Exército pelo país, acompanhado de comentários sugerindo que haveria alguma preparação das Forças Armadas para o 7 de setembro.

Bolsonaro, cercado por apoiadores em Pernambuco
Durante motociata no interior de Pernambuco, Bolsonaro levantou a hipótese de uma “ruptura” institucional

Em uma dessas gravações, um homem diz que está em Assis, cidade do interior de São Paulo próximo da divisa com o Paraná, no dia 28 de agosto. Ele registra um acampamento militar na cidade, à beira de uma rodovia.

“Esse ponto que estão estacionadas a tropa do Exército é um local estratégico. Para você fechar praticamente o acesso do Mercosul, do Paraná e também do Mato Grosso, basta fechar esse eixo rodoviário que vocês estão vendo aqui e automaticamente você vai fechar o acesso a São Paulo via (rodovia) Raposa Tavares. Então, a presença das tropas do Exército nesse local sem dúvida tem alguma coisa ligada ao 7 de setembro, porque é anormal, nunca aconteceu isso aqui na região de Assis”, diz na gravação.

“Realmente é um momento histórico”, arremata.

A BBC News Brasil apurou que na verdade se tratava de uma movimentação da Marinha. Questionada se havia relação com os atos de 7 de setembro, a instituição disse se tratar de um deslocamento de rotina.

“O Comando do 8º Distrito Naval informa que a presença dos veículos da Marinha na cidade de Assis-SP refere-se a um deslocamento de rotina, em função de exercícios programados, não havendo nenhuma atividade específica no município”, respondeu a Marinha, sem detalhar qual era a previsão de duração dessa atividade e se ela já foi encerrada.

Outros dois vídeos que circulam nas redes bolsonaristas mostram o que seria uma movimentação de tropas para Brasília.

Num desses casos, o link compartilhado no Telegram leva a um vídeo no YouTube do CANAL DITO VALETE BR, que já conta com mais de 160 mil visualizações e tem como título “COMBOIO DO EXÉRCITO BRASILEIRO SENTIDO A BRASILIA PARA O DIA 7 DE SETEMBRO”. A postagem é monetizada, ou seja, gera renda ao dono canal.

“Vamos, Bolsonaro, vamos, a classe de bem está com você. Sentido Belo Horizonte, segundo comboio que eu estou passando, segundo comboio do Exército, sentido à Brasília, as manifestações do dia 7. É canhão, é tudo… Prepara, gente, o negócio é feio, é feio e ao mesmo tempo necessário. Precisamos mudar o que está sendo implantado no nosso Brasil. A China comunista está entrando e nós precisamos combater isso com o bem”, diz o autor da gravação.

Já no segundo vídeo, um homem diz estar filmando veículos do Exército na DF-003, rodovia que cruza a capital federal, sem especificar qual a data do registro. Embora o vídeo esteja sendo compartilhado nos grupos como algo recente, as imagens parecem antigas porque mostram a vegetação na rodovia bastante verde, bem diferente da paisagem árida que Brasília ganha em agosto e setembro, auge do período de seca.

“Oi, pessoal, Brasília se movimentando. Ó, as tropas nas ruas. Agora vai, hein. Taí, ó, parabéns a todos, intervenção já, gente! Vamos mudar esse país!”, diz o autor da gravação.

Diante de vídeos como esses, um usuário pergunta: “Alguém sabe o que vai acontecer pois o exército está se movimentando no Brasil todo?”.

“Algumas dessas movimentações são administrativas para as comemorações da semana da Pátria, outras são referentes à manobras planejadas com antecedência. Estão usando isso para dizer que são preparativos para um golpe militar. Mentira”, responde outro.

A BBC News Brasil questionou o Exército e o Ministério da Defesa sobre os vídeos que circulam sugerindo movimentações militares para os atos de 7 de setembro, mas não obteve retorno até a publicação dessa reportagem. O texto será atualizado tão logo haja um posicionamento.

É comum a realização de paradas militares em todo o país no feriado da Independência, mas esses desfiles não são realizados desde o ano passado por causa da pandemia de covid-19, que já matou mais de 580 mil pessoas no Brasil.

Segundo anunciado pelo Ministério da Defesa, a previsão para a capital federal nesta terça-feira é apenas a realização de uma cerimônia menor, de hasteamento da bandeira nacional no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, similar a realizada em 2020.

Bolsonaro deve assistir a essa cerimônia e depois participar dos dois maiores atos previstos em seu apoio, de manhã em Brasília e de tarde em São Paulo. A expectativa é que discurse em ambos.

‘Bloquearam o WhatsApp, mande para todos o grupos’

São frequentes também as perguntas sobre a possibilidade de redes sociais, em especial o WhatsApp, serem bloqueadas no país, com suposto intuito de dificultar a organização dos atos em apoio ao presidente e a divulgação de imagens dos protestos no dia.

Nesse sentido, viralizou o compartilhamento nos grupos bolsonaristas de um vídeo de 2018, em que uma reportagem do canal Globonews anuncia uma decisão da justiça de São Paulo para bloquear o WhatsApp por 48 horas.

“Bloquearam o Whatsapp pra dificultar comunicação para a manifestação Mande para todos os grupos”, diz mais um usuário a postar a gravação antiga, no grupo Ativistas Direita Volver!, que conta com mais de 1.700 membros.

Reprodução de mensagens em grupo do Telegram
Vídeo de 2018 da Globonews sobre decisão judicial para bloquear WhatsApp está sendo compartilhado como se fosse atual

O mesmo vídeo circulou bastante no já citado SUPER GRUPO B-38 OFICIAL, no qual alguns usuários alertaram o conteúdo enganoso. “É NOTÍCIA antiga. Ou a pessoa postou aqui sem verificar os fatos e por engano ou postou com intuito de gerar pânico”, reclamou um.

“Impossivel, a quantidade de informação enganosa e incompleta nos grupos está sendo agonizante”, queixou-se em outro momento mais um integrante.

Lideranças dos caminhoneiros negam ampla paralisação

Também são recorrentes nos grupos bolsonaristas mensagens sugerindo amplo apoio de caminhoneiros aos atos de 7 de setembro e a previsão de paralisações que travarão o país. As principais lideranças da categoria, porém, negam que isso esteja ocorrendo. O próprio Ministério da Infraestrutura também afasta esse cenário.

“O Ministério da Infraestrutura reforça que mantém diálogo contínuo com a categoria do transportador autônomo e não identifica nenhuma mobilização setorial para a data citada”, disse a pasta, em nota à BBC News Brasil.

Reprodução de mensagem contra o STF no Telegram
Mensagens autoritárias contra o STF são frequentes entre apoiadores de Bolsonaro no Telegram

Para o presidente da Abrava (Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores), Wallace Landim, conhecido como Chorão, não haverá apoio amplo da categoria aos atos porque a pauta das manifestações não refletem os interesses do grupo.

“Existe dentro do segmento tanto pessoal que apoia o presidente quanto o pessoal que é da esquerda ou que não entram nessas pautas (políticas). Eu creio que irá ter caminhoneiros pra apoiar o presidente, mas eu não vejo o movimento de trancar rodovia”, afirmou à reportagem.

“Do jeito que estão tentando fazer, eu não concordo, eu acho que está indo contra a democracia do país e eu não participo”, disse ainda, em repúdio ao viés autoritário de parte das convocações.

Já a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) afirmou por meio de nota que “sempre apoiará as ações que refletem os interesses coletivos da categoria, com respeito à ordem pública, às instituições, às leis e à sociedade como um todo”. Segundo a organização, os atos de terça-feira não se tratam de uma mobilização da categoria.

“Eventual participação de um caminhoneiro na manifestação do dia 07 de setembro representará a vontade individual desse cidadão brasileiro, que decide por si próprio exercer seu direito de livre manifestação e liberdade de expressão”, diz o comunicado.

Uma das mensagens compartilhadas nos grupos de Telegram que anunciam a ação da categoria diz que na quarta-feira (08/09) 500 mil pessoas levarão um manifesto à Brasília e que “quatro representantes do povo irão entregar esse documento para o Presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco, pedindo para dissolver o STF e o Congresso Nacional”.

Segundo o texto divulgado por meio de um vídeo, “esse documento tem apoio do presidente Bolsonaro e do Exército Brasileiro”. A mensagem continua dizendo que Pacheco terá até 72 horas para tomar sua decisão e que “se ele não aceitar será tudo trancado”.

“Todos os caminhoneiros sairão dos postos e acostamentos onde estarão estrategicamente e fecharão todas as estradas e rodovias brasileiras e avisarão que não passará ninguém”.

Segundo a mensagem, “o cabeça de toda essa mobilização é o advogado e jurista Dr. Ives Gandra Martins”.

No entanto, assim como as lideranças os caminhoneiros, Ives Gandra já divulgou uma nota pública em 26 de agosto negando qualquer participação na convocação dos atos de 7 de setembro.

“Tenho respeito e admiração pelos Ministros do Pretório Excelso”, diz o comunicado, em referência ao STF.

“Não lidero qualquer espécie de movimento e tenho, em minhas manifestações, sempre pessoais apenas, insistido no diálogo entre os Poderes para reduzir as tensões atuais”, disse ainda.

Mariana Schreiber – @marischreiber
Da BBC News Brasil em Brasília





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