A pergunta sobre quem é culpado aparece seguidamente em boca alheia: a culpa nunca é própria, mas do outro.
[dropcap]O[/dropcap] outro é qualquer outro, e, como ironizava inteligentemente um aluno meu que dizia em tom de galhofa: “a culpa é minha, eu coloco em quem eu quiser”. Claro, ele estava brincando, ra um daqueles momentos de descontração da aula, sem o qual tudo fica como areia seca em garganta entupida, isto é, o conteúdo não desce. Evitemos metáforas e sigamos no assunto.
Desde imemoriais tempos os homens sacrificavam animais para aplacar a ira dos deuses, ou do Deus. Esfolar, matar, queimar o animal em sacrifício para honra de algum deus era prática comum. Com isso a crença de que os pecados do povo estariam perdoados, e consequentemente, as bem-aventuradas graças iriam aplainar os caminhos para o fiel. Deus bom não é aquele que nos torna fortes para resistir às tempestades e dificuldades, como sugere uma mensagenzinha que circula na internet. Deus bom é aquele que afasta as tempestades de nós. Tenho dito! Voltemos ao assunto.
A ideia do “bode expiatório” a ser sacrificado pelos nossos erros é tão antiga quanto as pegadas do homem civilizado no mundo, mas se desenvolveu bastante entre os hebreus. Com o Cristianismo a figura do Cristo substitui os antigos sacrifícios e muita coisa mudou. Mas o bode expiatório continua agora camuflado na figura do Judas. Pobres bonecos de panos e velharias, surrados até não mais poder nos sábados de aleluia. Crianças e adultos, dos mais atrasados, se rejubilam em redor de bonecos para dar pancadas e, de algum modo, aliviar a tensão do dia a dia se vingando de alguém imaginário, açoitando o triste boneco que representa o discípulo que traiu o Salvador.
A sociedade e os modos estão mais sofisticados. Gente educada não cospe em boneco de pano, e muito menos em público. Os desafetos hoje são outros. Pode ser o líder religioso, o Papa, a Rede Globo, os políticos, o governador, o prefeito, o professor, qualquer um que possa ser criticado.
É preciso evitar trabalho. Trabalho cansa e quase ninguém quer ficar cansado. Então para que fazer análise econômica, estudos da conjuntura política, se é mais fácil achar logo um bode expiatório, ou um Judas para malhar?
Veja o caso da gasolina. O preço vai subir. Sabe por quê? Porque a Presidenta Dilma é malvada, claro. Ou então porque o governo não presta. E estamos conversados. Ninguém vai se dar trabalho de querer saber que o dólar subiu, e parte do petróleo é importada, e todo o petróleo é calculado em dólares, e se esse sobe sobre o preço da gasolina. Tudo bem, o problema é o dólar que se valorizou em relação ao real. Então a culpa volta a ser da Presidenta Dilma e do governo, claro, eles que tem a guarda da moeda. Quem vai querer sabe que a economia americana começou a melhorar e os “gringos” resolveram tirar seus dólares do Brasil para aplicar lá?
Certo, o governo é responsável. Talvez alguns digam que é IRresponsável. Mas o contexto no qual o governo atua é o mesmo da sociedade capitalista para a qual ele trabalha. Então os mui dignos donos do capital tomam suas ações visando obter o maior lucro possível, retira seu dinheiro do Brasil, o dólar aumenta seu valor, a gasolina sobe e a culpa é da dirigente temporária do Brasil, senhora Dilma Rousseff. Claro que sim também de algum modo, mas não é proveitoso culpar pessoas, principalmente porque os cargos mudam de mãos constantemente. Depois da Sra. Dilma quem virá para ser criticado? E depois outro, mais outros, e assim ao infinito. Bom seria podermos estudar a conjuntura na qual as coisas acontecem, mas isso demanda tempo, tempo é dinheiro, e é preciso gastar os dois: tempo e dinheiro, com coisas mais práticas, reservando para as análises apenas o falar mal dos outros procurando culpados.
A solução para os problemas não chega nunca se não for dado um passo a mais, ou seja, além de querer apontar culpados, querer saber a causa da crise e, a partir disso, as possíveis soluções. Até mesmo para cobrar responsabilidades dos dirigentes é preciso conhecer os problemas.
Preguiçosamente deitados no chão duro da crítica pessoal, os comentários sobre o Brasil feitos em programas de TV e outros, esbarram na culpabilidade histórica, ao estilo: “se o governo FHC tivesse feito tal coisa”, ou “o Brasil perdeu uma grande oportunidade quando os ventos eram favoráveis à nossa economia”. Ora, o passado é dado e necessário, sobre ele não tem volta, já aconteceu. Aprender com o passado é valioso, procurar nele culpados nem tanto. Por isso convém a um povo que deseja melhorar sua vida começar a buscar no conhecimento do sistema capitalista o que funciona e o que não funciona para melhorar os aspectos econômicos e sociais. A partir daí compreender que é possível construir um País melhor fica mais fácil. Apenas apontar bodes expiatórios momentâneos para os problemas, além de não solucionar, embaça o olhar sobre as causas dos problemas. Problemas de cujo conhecimento depende à busca de soluções.
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