Ao se olhar no espelho viu algumas rugas a mais do que supunha ter. Seu rosto havia mudado e ele mal se dera conta disso. Justo no primeiro dia de férias foi perceber isso. Deu-se conta do pouco cuidado que dá para si mesmo e achou prudente começar a tratar melhor seu corpo, uma máquina sem a qual não é possível desfrutar da vida.
[dropcap]N[/dropcap]a hora do banho perguntou para si mesmo qual a parte do corpo que mais gostava, ou melhor, qual delas ele poderia deixar decepar caso houvesse necessidade. Embora não seja uma espécie de lagarto que é capaz de reconstituir partes do corpo, julgou curiosa aquela indagação.
Fazendo agora uma transposição, do seu corpo para o corpo da cidade, passou a comparar as duas coisas. São corpos em movimento, portanto, tem vida. Seu corpo e o corpo de Vilhena, por exemplo, podem ter algumas coisas em comum. Ao fazer a barba suas idéias não escapavam da metáfora dos corpos, o dele próprio e o de Vilhena. Que teriam em comum as duas coisas?
A comparação mais fácil era entre as cabeças, a que tem cérebro e com este órgão conduz e coordena o resto do corpo e o poder executivo e legislativo, que, de modo aproximado, conduz boa parte do movimento da cidade. E quem ou o que seriam os pés, as mãos, a barriga no corpo da cidade? A partir dessas perguntas nosso personagem achou por bem encerrar os pensamentos que teimosamente haviam tomado conta de sua mente.
A cidade com seu grande corpo têm vida, movimento, luz própria. Seu crescimento é desmedido podendo chegar a megalópoles, como São Paulo, ou estacionar com velhas cidades coloniais brasileiras. O que faria uma cidade aumentar de tamanho e outras estagnarem? As rodovias são um grande fator de desenvolvimento, pois, como artérias, levam o oxigênio para o desenvolvimento econômico da cidade. Atrair pessoas de outras regiões para desenvolver-se e desenvolverem a riqueza local, também.
Olhando o raio-x da cidade, o que se observa são construções seguidas de terrenos desocupados. Isso em vários lugares, não só em Vilhena. Mesmo grandes cidades como São Paulo mantém áreas de terra urbanas cercadas e vigiadas para especulação imobiliária. Muitos conflitos nascem da necessidade de morar em confronto com o desejo de lucrar em uma atividade tão antiga quanto às primeiras comunidades humanas. A disputa por espaço, que segundo a tradição, levou o fundador de Roma, Rômulo, a matar Remo, continua fazendo desafetos mundo afora.
O desejo de não conflito depende de uma série de coisas, entre as quais o cuidado com o corpo da cidade. Espaços bem estruturados, rede de transporte adequada, assistência escolar e a saúde próximo de casa, tratamento o mais próximo da igualdade entre os bairros, são quesitos que merecem ser lembrados. A concentração de moradias pode ser uma boa sugestão, mas tem seus limites. O primeiro deles é a especulação ainda maior sobre imóveis e alugueis quando não se tem muitas opções de loteamento. A falta de espaço seria um problema maior do que o excesso.
Por outro lado, o custo em levar infraestrutura para bairros construídos cada vez mais longe é uma questão a ser mais bem discutida, já que isso se faz com dinheiro público principalmente. O que pensam os cidadãos a respeito disso? Pouco se sabe. O benefício dos que tem terrenos entre o centro das cidades e a periferia, ganhando em valorização com as ruas, rede de água, rede elétrica e demais benfeitorias que precisam passar necessariamente por seus lotes até chegar nos distantes loteamentos, também é algo que pouco aparece.
Enquanto o corpo das cidades vai ganhando tamanho, conviria discutir suas proporções e ajustes, evitando assim um futuro de muitas rugas e uma imagem desfigurada pela desproporção entre as diferentes partes que compõe o grande corpo da cidade. Que se cuide dele para que funcione como uma máquina capaz de permitir a existência de vida na sua forma mais bonita, vida em harmonia.