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O permanente e o acessório ou um quase desabafo irônico; artigo do professor Ivanor Luiz Guarnieri

O Brasil é notório na desconversa. País inclinado a tratar assuntos relevantes com irrelevância e assuntos irrelevantes com destaque, sua população assiste periodicamente o martelar de notícias de pouca monta.

vergonha-brasil1[dropcap]N[/dropcap]ão é só a imprensa, o Governo é notório em produzir matérias sobre coisas úteis para desinformar. Mas, se desinformar não é tanto o caso, ao menos servem para desviar a atenção sobre o que passa e que, de fato, atinge diretamente você, distinto leitor.

Basta lembrar um pouquinho o passado recente, quando as rodovias eram mostradas com acidentes vários. Carro quebrado por buracos, batidas de automóveis com caminhões que vitimavam famílias inteiras. Motoristas prepotentes e descumpridores das normas de seguranças, e, claro, assaltos e mais assaltos aos ônibus de turismo e assemelhados. O que entrou em vigor em 1999 foi o artigo 112 do Código de Trânsito Brasileiro, que obrigava os motoristas a dispor de “Kit de primeiro socorros” em seus veículos. Era o governo de Fernando Henrique Cardoso, só para reavivar a memória.

A obrigatoriedade gerou polêmica, muitas horas de exposição na mídia, debatedores babando de raiva ao criticar a lei e, enquanto isso, os acidentes continuaram. Nesse meio tempo, no mesmo ano de 1999, o Senado Federal revogou a lei, os motoristas agradeceram e continuaram a dirigir aliviados pelas rodovias que se mantinham tão perigosas quanto antes.

Como os problemas teimavam em permanecer, era necessário achar uma solução. Eis que as autoridades, seguramente depois de algumas meditações, vieram com uma ideia original. Corria o ano de 2004 e, em maio, mais precisamente no dia 7, ficou estabelecido que, no ano seguinte, a partir de janeiro, os motoristas deveriam trocar o obsoleto extintor de incêndio tipo BC pelo eficiente, glamoroso e seguro extintor tipo ABC (seja lá o que for essa sigla). Veja querido leitor, como os responsáveis estão atentos aos detalhes, às vezes cuidando o mosquito e deixando passar o elefante.

A imprensa, essa gloriosa defensora do cidadão, claro, cumpriu seu papel. Rolos de jornal impresso, tinta, muita tinta com publicações sobre o assunto. A televisão se fartando com convidados ditos especialistas comentando a nova lei. O trânsito estava na moda. Por um item de segurança que não matou ninguém, mas na moda afinal.

Mas, como a indústria não conseguiria dar conta de fabricar tanto extintor, o prazo foi estendido para 5 anos. Ufa, um prazozinho a mais para alegria dos brasileiros motorizados.

Estou curioso para saber o que vão inventar para a Copa do Mundo. Com os aeroportos do jeito que estão, as rodovias pedagiadas, e mal cuidadas pelo preço que cobram, como as do Paraná, os meios de transporte urbano aquém, muito aquém do que se espera de um país organizado, que será de nós? É possível que o governo, esse grande inventor, tire da cartola mais um impostozinho aqui, ou algo do gênero, com o objetivo de ajudar a manter a imagem do Brasil lá fora.

Aliás, a fotografia do Brasil no exterior está salpicada de sangue. A morte da Juíza Patrícia Acioli é um caso. Há outros juízes ameaçados de morte, como mostra o mapa do Conselho Nacional de Justiça.

O deputado estadual do Rio, Flávio Bolsonaro, que é filho do deputado federal Jair Bolsonaro, afirmou em seu twitter algo terrível sobre a morte da juíza. Escreveu ele: “que Deus tenha essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com q ela humilhava policiais nas seções contribuiu para ter mts inimigos” (http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5294137-EI5030,00-Filho+de+Bolsonaro+diz+que+juiza+morta+humilhava+reus.html). O que não justifica a ação criminosa, mas os Bolsonaro não iram perder a oportunidade de se fazer conhecidos em mais uma polêmica, claro. “Tal pai, tal filho” já ouvi em algum lugar.

Incrível foi assistir depoimentos nos telejornais, e ver alguém afirmando que esse crime é uma afronta ao Estado Brasileiro. Claro que é!  Curioso, mas os milhares de jovens mortos, os que estão enfermos e desassistidos, os policiais que perdem a vida combatendo o crime, a corrupção sobre a qual não vou nem entrar em detalhes para não jogar lixo no papel, etc., não seriam também uma afronta ao Estado Brasileiro? Quanto vale a vida de uma juíza comparada a de um policial ou cidadão comum?

Toda vida humana vale, e vale muito. Mas para a mãe, pai e irmãos do soldado assassinado, a morte do filho tem uma dor maior. Por que de tal morte não se diz em rede nacional que é também uma afronta ao Estado? Pode e deve ser dito. Só que a imprensa trata disso como se fosse banalidade.

Em um país que quer fazer bonito na Copa do Mundo e acontece isso com magistrado, imagine o que não estará acontecendo com a classe comum de cidadãos dessa gloriosa nação.

Ivanor-ArtigosMas esses são assuntos corriqueiros que logo se repetem. Melhor seria discutir as causas da miséria humana e da deseducação que leva a isso. Quem sabe discutir que Brasil queremos e como construí-lo.

Como discutir coisas grandes e importantes toma tempo, exige estudo e reflexão, seguem as notícias sobre eventos banais, e até sobre fatos importantes, mas pontuais que logo serão esquecidos. A “estrada Brasil” continua com acidentes e vítimas, mas ao invés de planejar soluções, o debate do momento se perde em fatos específicos, que logo serão esquecidos, como o foram o kit de primeiros socorros e a troca de extintor dos carros.




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