O que o escritor diz para o leitor depende do modo como eles leem o mundo. Leitor e escritor são pessoas situadas no tempo e na sociedade, podendo, no entanto, serem ambos de tempos e sociedades diferentes.
É por isso que ler grandes nomes da Literatura dos séculos passados pode estar em desconformidade com os problemas do tempo presente. Pode estar em desconformidade, mas isso é raro. Ler obras de outros tempos é saber que homens daquele período construíram o mundo atual. Por isso, aprenderíamos muito se soubéssemos o que pensavam e como viviam nossos antepassados.
Por outro lado, convém lembrar a advertência de René Descartes em sua obra “Discurso do método”. Para ele, prender-se demais ao passado pelo passado assemelha-se ao sujeito que muito viaja tornando-se estrangeiro em sua própria terra. Encontra-se nessas considerações o problema da ligação entre passado e presente e o papel da Literatura a respeito disso.
A sugestão dada pelo escritor pernambucano Osman Lins é quase uma advertência: o escritor deve escrever para seu povo e para as pessoas de seu tempo. Ora, exemplos de escritores sérios que se ocuparam com questões de sua gente não faltam. Seja na Rússia de Tolstói ou nordeste brasileiro de Graciliano Ramos, romances, contos, poemas e outras formas literárias há que trazem em seu bojo o espírito do tempo e a história de luta de seus povos.
A Literatura bem realizada promove a educação da pessoa ao colocar diante dela algo como o espelho do mundo. A palavra espelho não é citada aqui atoa. Os espelhos refletem imagens, os livros de Literatura refletem o mundo no qual o escritor e o leitor estão presos, levando ambos a pensar a partir de novas ideias despertadas pela leitura. Elementos de opressão social, de injustiça nas relações entre poderosos e pobres, de exploração social dissimulada em oferta de trabalho que mais escraviza do que dignifica, entre outras coisas das quais nossa sociedade está grávida, são percebidas pela leitura de obras de arte literárias de modo educativo.
A Literatura não denuncia simplesmente os desmazeles da vida de gado humano levado ao sacrifício no altar da exploração capitalista. Ao menos não do modo dos discursos inflamados. Os discursos inflamados cabem bem em palanques políticos, lugar onde se diz tudo com aparência de verdade, mas de modo a esconder e ludibriar os desavisados. Não! A Literatura é arte do bem dizer e, por isso, muito mais perigosa do que loquazes discursadores. Ela revela a condição humana por meio da palavra bem construída. Lança luz sobre a realidade por meio da claridade espelhada da arte. Por isso, a Literatura se torna perigosa aos que insistem em continuar montando sobre a sela do imenso cavalo da espoliação do suor alheio.
Felizmente na democracia é possível discutir sobre essas coisas. Infelizmente a extraordinária quantidade de assuntos bobos atirados contra o cidadão desatento dificulta sua tomada de posição em favor de si mesmo. Em favor de si mesmo no sentido de que se decida a esclarecer-se pela leitura. Enquanto isso não ocorre, a montanha de bobagens construídas pelos diferentes meios de comunicação social continua a cuspir lavas de assuntos pontuais e casos particulares insignificantes, que só servem para transformar em cinza o tempo das pessoas.
Os discursos são sempre os mesmos: saúde, educação e segurança. Bem poderia ser mostrado o que de fato interessa: como as coisas são conduzidas nos centros de decisão dos governos e empresas. Sobre os lugares onde as coisas acontecem, ou seja, nos centros do poder político e econômico, os olhos dos cidadãos não podem ver, precisam ser cegados ou ao menos confundidos. Donde se conclui a respeito do que interessa ao povo: o povo não pode se interessar. Continuam os olhos e inteligência das pessoas a serem enganados com simplórias histórias de vida pessoal em programinhazinhos televisivos, em jornais de má qualidade, em revistas adulteradas pelos interesses de grupos econômicos, por livros que só servem para melhorar o currículo e o bolso do autor e o lucro de empresas editoriais.
Enquanto isso a boa Literatura fica proibida graças ao analfabetismo funcional. A população continua trancafiada nas grades da cela do ensino precário oferecido ao povo brasileiro.
Hoje existem muito mais pessoas lendo do que ontem. É verdade. Mas somos muito mais pessoas e com muitos outros problemas. Então quando estiver lendo pergunte-se em que a leitura o está ajudando a ver diferente em relação ao que sabias antes. Ou ainda se a leitura está fechando seu campo de visão do mundo. Nesses casos, não importa se a obra é de hoje ou de ontem, mas se é Literatura no pleno sentido da palavra.