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Simplório; artigo do professor Ivanor Luiz Guarnieri

Simplório era um menino. Tudo parecia ir bem em sua vida, mas chegara o momento de sair de casa e conhecer o mundo. Seu primeiro dia de aula era o primeiro dia de aventura longe do olhar da mãe e da severidade do pai.

A professora ensinava a teoria de Charles Darwin: o homem é resultado de uma lenta evolução. Essa ideia contrastava demais com aquilo que Simplório aprendeu com o Padre. Mas em todos os sentidos a professora era muito boa e alguém assim não iria querer enganar. Tampouco o padre, que só falava de Deus. A cabeça de Simplório não tinha respostas. “Na dúvida, espere até você crescer e você saberá”, dizia sua mãe, que também não tinha respostas, mas ficava sempre com a ladainha e o rosário ao invés daquilo que os livros de ciência trazem.

Simplório cresceu. Conheceu garotas, amou. Mas não podia fazer muita coisa. Certo de que aquilo era pecado, exceto depois do casamento, se continha. As meninas mais afoitas, que aos olhos de Simplório eram as mais bonitas, riam dele.

Se Deus nos fez iguais como filhos, então somos iguais aos Seus olhos. Com essa ideia fixa, Simplório se deu o direito de participar de conversas com pessoas muito acima de sua categoria social. Participar é só um modo de dizer. Ele tentou participar. No começo até lhe deram ouvidos, mas gente sem dinheiro, sem status e quase sem estudo fica, também, sem direito à palavra.

Toda vez que queria saber algo perguntava aos entendidos. Os entendidos respondiam com o máximo de interesse daqueles de quem querem tirar proveito. As respostas raramente eram satisfatórias, mas, vindas de entendidos não tinha porque desconfiar delas.

O mundo ficou um desconcerto quando o Simplório foi aprender profissão de ser homem. Era de tarde, cansado e suarento, batia massa e, perto dele, o dono da construção e o engenheiro conversavam. Vendo uma lajota colonial, o dono da casa perguntou ao engenheiro porque elas vinham grudadas. A explicação do engenheiro era que era assim mesmo, para a massa ficar mais firme entre uma e outra lajota. Nesse momento, o pedreiro pegou as lajotas e começou a separá-las com um simples martelo. O mundo imaginário de Simplório se despedaçou ao ver o fiasco do engenheiro ante a sabedoria prática do pedreiro. O engenheiro era classificado por Simplório na categoria dos entendidos. Como explicar, então, que um homem simples como aquele trabalhador pudesse desmentir de modo irrefutável alguém que gostava de ser chamado de doutor?

Do momento acima descrito, em diante, passava pela cabeça de Simplório uma espécie de filme de sua vida. De quantas vezes se iludiu com respostas de gente que tinha mais pose do que conhecimento. Lembrou de perguntas que ouvia, mas não dava importância, como: se sexo antes do casamento é pecado, padre é virgem? Se devemos agradecer aos ricos por nos dar emprego, quando os ricos vão agradecer aos trabalhadores por trabalharem para eles? Se o rico é rico porque é abençoado, o pobre é pobre porquê? Se o juiz julga, quem julga o juiz? Dezenas de perguntas brotavam no cérebro de Simplório como larva de vulcão ameaçando queimar tudo que ele acreditara até então.

Prof. Dr. Ivanor Luiz Guarnieri (UNIR)

Em sua humilde quitinete de rapaz trabalhador ouvi batidas na porta. Era um conhecido da juventude. A oferta parecia boa. Contudo, desta vez Simplório pensou diferente. Deixou de acreditar tanto no que diziam e começou a olhar para o que as pessoas faziam. Descobriu que a oferta de trabalho oferecida pelo amigo era muito boa para o amigo. Recusou a oferta.

De noite, suspirou contente por ter analisado as coisas de outro jeito. Lembrou de sua mãe que sempre dizia: “espere até você crescer e você saberá”. Agora, Simplório se sentia adulto, embora um pouco tarde. Enfim, tornou-se um entendido, não para aproveitar da ingenuidade alheia, mas para fugir de sua própria ingenuidade.





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