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‘Tanque’ dos anos 1970 e blindados da Guerra do Vietnã: o que foi exibido no desfile da Marinha para Bolsonaro

Veículo blindado da Marinha com Congresso ao fundo
Veículos foram exibidos em dia de votação delicada no Congresso

O desfile da Marinha pela Esplanada dos Ministérios e pela Praça dos Três Poderes nesta terça-feira (10/8), em Brasília, ficou marcado por veículos que soltavam uma fumaça preta que não estamos mais acostumados a ver atualmente.

De acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, isso se deve ao fato de esses transportes serem antigos e usarem tecnologias ultrapassadas.

 

“Muitos desses carros de combate têm motor a diesel, que solta muita fumaça”, complementa o pesquisador Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador da ECSB/Defesa, entidade que faz publicações sobre veículos militares.

“É óbvio que quanto mais antigo o veículo, mais isso se agrava. Imagina os modelos produzidos nos anos 1980 e 1990, quando não existia essa preocupação ecológica?”, diz Nelson Ricardo Fernandes da Silva, major da reserva do Exército e analista do portal Gestão de Risco.

De forma geral, os veículos militares que passaram pela capital se dividem em três grandes grupos: os “tanques”, os veículos blindados de transporte de pessoal (conhecidos pela sigla VBTP) e os lançadores de mísseis.

Os tanques

Os veículos que tinham um canhão no topo são os modelos SK-105 Kürassier, que começaram a ser produzidos na Áustria a partir dos anos 1970.

Aqui vale uma pequena ressalva: a palavra “tanque” não é tecnicamente correta.

“Esses veículos são chamados de tanques porque na época da Primeira Guerra Mundial os britânicos desenvolveram esse tipo de viatura e não queriam que os alemães soubessem”, contextualiza João Marcelo Dalla Costa, especialista em veículos blindados e ex-professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

“Daí eles diziam que iam entregar 50 tanques de lavar roupa em tal local, quando na verdade estavam falando de veículos blindados de combate”, completa.

Os SK-105 Kürassier são usados no Brasil exclusivamente pelo Corpo de Fuzileiros Navais, uma das forças que integram a Marinha e que vão participar dos treinamentos de um exercício militar, a Operação Formosa, ao longo dos próximos dias.

As Forças Armadas compraram 17 unidades no final dos anos 1990, e elas chegaram ao país a partir de 2001.

Desfile de veículos militares em Brasília
Fumaça de veículos em Brasília chamou atenção

“O Brasil foi um dos últimos a adquirir esse modelo e entrou em acordos e negociações que estavam sendo feitos pelos fabricantes com alguns países da África”, lembra Bastos, que também foi professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A Áustria já abandonou esse tipo de tanque há quase 30 anos, mas ele continua em operação na Argentina, na Bolívia, no Brasil, em Botsuana, no Marrocos e na Tunísia.

“Trata-se de um veículo que já está obsoleto, e a Marinha quer substituir essa frota”, aponta Bastos.

Sobre sua atuação no campo de batalha, o Kürassier tem a função de “caçar” unidades das forças opositoras.

“É um tanque leve, que pode ser transportado em navios. O objetivo dele é identificar e destruir os tanques inimigos”, explica Costa.

“E, pela quantidade de fumaça que vimos, imagino que [o blindado que desfilou hoje] seja muito velho”, avalia o especialista.

“Já andei nesses blindados e, na hora em que vi aquela fumaça, imaginei que o comandante deveria estar se borrando, com medo de que o veículo parasse na frente do presidente. Aquela fumaça preta significa que o motor está desgastado, a ponto de estourar e deixar o comandante na mão”, completa.

Os blindados de transporte

Durante a passagem das tropas pela Praça dos Três Poderes, também foi possível notar a presença de veículos sem um canhão no topo: esses são os VBTP, responsáveis por transportar soldados e oficiais de uma forma relativamente segura de um ponto até outro.

E há vários modelos com tamanhos e formatos diferentes na frota dos Fuzileiros Navais brasileiros.

O M113, por exemplo, é usado desde a época da Guerra do Vietnã, que durou entre 1959 e 1975. Uma de suas características visíveis é a presença da lagarta, aquela esteira que substitui as rodas convencionais e permite a locomoção por terrenos acidentados.

Os especialistas destacam que os blindados usados no Brasil não são os mesmos da década de 1960 e passaram por uma série de melhoramentos e atualizações. Mesmo assim, eles continuam ultrapassados diante das várias opções disponíveis em outras partes do mundo.

Outro blindado que deu as caras em Brasília foi o AAV-7A1, também conhecido como Clanf (ou Carro sobre Lagarta Anfíbio), de origem americana.

Ele também tem as esteiras, mas é bem maior e pode até se locomover na água — daí o “anfíbio” no nome.

“Sua função durante uma batalha é desembarcar primeiro e garantir a defesa de uma certa localização para outras tropas virem em seguida”, explica Costa.

Desfile de veículos militares em Brasília

O terceiro tipo que apareceu no desfile foi o Piranha 3, de fabricação suíça e disponível no mercado há pelo menos cinco décadas.

Ao contrário dos outros, ele tem pneus e tração nas oito rodas.

“Ele é bastante adequado para fronteiras terrestres e áreas de selva, que estão presentes em muitas das fronteiras de nosso país”, destaca Luiz Guilherme de Oliveira, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de artigos sobre tecnologia militar e blindados.

Alguns desses veículos trazem metralhadoras e lançadores de granadas.

“Esse armamento serve apenas para fazer a autoproteção daquela unidade. Mas hoje em dia esse tipo de defesa pode ser facilmente superado por aeronaves pequenas e drones”, conta Bastos.

Veículos militares desfilam em Brasília
Blindados desfilaram diante do Palácio do Planalto

Os lançadores de foguetes

Por fim, um terceiro componente do arsenal da Marinha brasileira exibido para Bolsonaro foi o Astros II, um sistema de lançadores de foguetes produzido pela empresa brasileira Avibras.

“Essa é a nata da tecnologia militar brasileira, o que temos de mais avançado junto com o veículo blindado Guarani [que não integra os treinamentos de Formosa]”, avalia Costa.

“Hoje, nossos foguetes têm entre 30 e 80 km de alcance, mas está em processo de construção um equipamento com 300 km de alcance, que permitirá defender toda a nossa região costeira”, informa o especialista.

Além desses veículos mais “poderosos”, o desfile contou com caminhões convencionais, que fazem apenas o transporte das tropas, mas não contam com nenhum tipo de blindagem.

Frota ultrapassada?

Para os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o fato de muitos veículos serem antigos e terem décadas de uso é algo que está dentro das possibilidades brasileiras.

“É evidente que nossa tecnologia está ultrapassada em relação ao que temos de mais avançado em outras partes do mundo, mas ela é condizente com o potencial bélico dos outros países da América Latina”, diz Oliveira.

“Talvez o Chile e a Venezuela se sobressaiam um pouco, já que possuem equipamentos de origem russa”, discorda Silva.

Manifestante diante de veículo militar

A falta de verbas parece ser um grande entrave para modernizar esses transportes blindados militares.

“Há muito tempo a Marinha quer substituir esses veículos, mas isso depende de dinheiro e o país atravessa uma situação complicada financeiramente”, conta Bastos.

Costa concorda e aponta que o desfile talvez tenha servido para o Corpo de Fuzileiros mostrar que precisa trocar urgentemente seus equipamentos.

“O comandante da Marinha usou essa operação para mostrar ao presidente e à cúpula militar o estado decadente em que se encontram seus veículos”, acredita o especialista.

“Os Kürassier, por exemplo, são fundamentais, mas provavelmente devem estar com uma disponibilidade baixíssima. Com certeza eles colocaram os melhores ali para desfilar.”

“Se os melhores estão assim, imagina os outros… A maior parte deve estar inutilizada ou num estado que não é apresentável”, completa.

A Operação Formosa

O desfile foi considerado sem precedentes na história recente do Brasil: embora a Operação Formosa aconteça todos os anos desde 1988, essa foi a primeira vez que os comboios passaram por dentro de Brasília.

A longa fileira de veículos blindados e caminhões usados no transporte de fuzileiros passou diante de Bolsonaro. Tudo foi transmitido ao vivo na página do presidente no Facebook.

O presidente acompanhou a exibição na porta do Palácio do Planalto ao lado dos três comandantes das Forças Armadas e dos ministros da Defesa, o general Walter Braga Netto, da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, e da Educação, Milton Ribeiro.

Bolsonaro chegou a convidar outras autoridades e chefes de outros poderes, mas nenhum compareceu.

Bolsonaro ao lado de Braga Netto

Bolsonaro assistiu ao desfile ao lado do ministro da Defesa, Braga Netto, e de aliados

Durante a cerimônia, manifestantes a favor e contra Bolsonaro acompanharam a passagem dos veículos pela Praça dos Três Poderes.

Também foi entregue a Bolsonaro um convite para que ele compareça ao treinamento das Forças Armadas, que será realizado a partir de 16 de julho na cidade de Formosa, em Goiás, a 80 km do Distrito Federal.

O comboio da Marinha saiu do Rio de Janeiro e grande parte dos veículos blindados foi transportada por carreta, segundo Bastos, para facilitar a locomoção por mais de 1,4 mil km.

Os veículos foram então descarregados para que desfilassem diante do presidente, passando também nas proximidades do Congresso Nacional — no mesmo dia em que está prevista a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) do voto impresso.

O evento com a participação de Bolsonaro foi visto por muitos como uma nova ameaça de golpe e uma demonstração de força do presidente no dia em que uma pauta especialmente cara a ele seria apreciada no plenário da Câmara.

Mas o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, disse que tratou-se de uma “coincidência” de datas.

“Quando se fala em tanque na rua, fala-se de outra coisa. Tanque na rua é tanque para… Lembra tanque para conter manifestações… Não é nada disso. Houve uma passagem de um comboio e uma prestação de contas à sociedade, dando visibilidade ao exercício que está sendo conduzido, e tradicionalmente é conduzido”, disse Garnier.

A PEC do voto impresso já havia sido rejeitada por uma comissão especial criada especialmente para avaliar esse tema, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro. fugiu à regra e decidiu levá-la ao plenário mesmo assim.

No entanto, com a oposição da maioria dos partidos à mudança, a perspectiva era de que a matéria mais uma vez fosse rejeitada.

A Marinha divulgou nota afirmando que a Operação Formosa não tem relação com a votação da PEC.

Neste ano, pela primeira vez, a operação contará com a participação do Exército e da Força Aérea.

“A Operação Formosa tem o propósito principal de assegurar o preparo do Corpo de Fuzileiros Navais como força estratégica, de pronto emprego e de caráter anfíbio e expedicionário, conforme previsto na Estratégia Nacional de Defesa”, explicou a Marinha.

Para saber mais sobre os tanques e os veículos blindados e ter um posicionamento oficial sobre esses equipamentos, a BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa da Marinha e com o setor de comunicação dos Fuzileiros Navais, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

André Biernath e Rafael Barifouse
Da BBC News Brasil em São Paulo





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