A invocação aos santos pode ser algo bom, muito bom, mas, às vezes, pode ser apenas oportunismo de quem está em apuros ou quer defender amigos de difícil defesa.
[dropcap]N[/dropcap]esses tempos de corrupção estampada na mídia, já se ouve os clamores dos que invocam a filosofia de Santo Agostinho. Este pensador, sábio e bispo da Igreja Católica, viveu no norte da África entre os séculos IV e V, e tendo refletido sobre o pecado, argumenta que se deve amar o pecador e odiar o pecado. Pois não é que já se ouve clamores de “ame o corrupto e combata a corrupção”? Belo achado para o perdão aos malfeitores da Pátria.
O desejo da caça às bruxas não deve aflorar tão pouco, mas a ação rápida, que teve na época, a Presidente Dilma trouxe alívio momentâneo. Membros do governo que perdem os cargos por envolvimento com negócios mal cheirosos deveriam continuar sendo investigados. Caso haja crime, este não cessa com a exoneração do cargo. Caso não haja crime, continuar as investigações poderá provar a inocência do acusado. Demitir é um alívio momentâneo, a dor deve voltar se a punição inexistir. Só demitir é como dizer: “vá e não peques mais”. E se pecar? Novo perdão?
Outro dia o Senador Roberto Requião, tratando da corrupção estampada no multicolorido proceder de alguns políticos, fez um discurso. Se o leitor tiver vontade, dê uma olhada na TV Senado. É fácil encontrar o vídeo do senador paranaense discursando. Ou então pode procurar o discurso na íntegra, no endereço: http://www.senado.gov.br/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=389438 .
A certa altura do discurso inflamado e interessante, o Senador Requião afirmou: “Caso continuemos dissociando a luta contra a corrupção da luta pelas reformas econômica, política, social e jurídica, vamos continuar vendo a sangria inestancável do erário. A corrupção é uma doença sistêmica. Ela é inerente, parte constituinte, parte integrante do sistema capitalista, do capitalismo financeiro tal e qual o vivemos hoje no Brasil. Não há moralidade no capitalismo neoliberal”.
Dizendo-se homem de esquerda, questionou se não é imoral a lentidão da justiça, o subemprego, o analfabetismo, os juros altos, o monopólio da mídia, e mais uma quantidade enorme de problemas. Disse ainda que tem todo respeito pela presidente Dilma, apesar dos Paloccis e dos Meireles. Chegou a citar Santo Agostinho, dizendo que é necessário ter raiva e coragem. A raiva, segundo Requião, contra o estado de coisas e a coragem para mudar esse estado de coisas
Quem ler o discurso no todo ficará impressionado com a forma da eloquência, não fosse alguns senões.
Primeiramente é claro que ninguém em sã consciência irá defender juros altos que arrocham a atividade produtiva e dificultam a vida dos trabalhadores. Também não há porque ser a favor do analfabetismo, da lentidão da justiça, entre outras coisas. A estratégia do discurso é clara, procura listar uma série de coisas ruins contra as quais todos concordam que é preciso combater, e depois mistura com outras questões que podem ser do interesse do discursador. O que estaria por trás do discurso do Senador Requião?
Ele, talvez para confundir, misturou Paloccis com Meireles, esquecendo que o segundo não foi tirado do cargo de Presidente do Banco Central, onde esteve por longos sete anos. Já o Palocci, todos sabemos das duas trapalhadas e das duas demissões, uma com Lula outra com Dilma. Caberia até perguntar por onde anda Palocci, mas não é o caso aqui.
Outra estratégia do discurso foi misturar coisas muito diferentes como se fossem todas iguais. Como por exemplo quando reafirma: “não vejo como separar a luta contra a corrupção da luta pela reforma econômica”. Talvez o senador precise enxergar melhor as coisas. A lentidão da justiça não é corrupção, longe disso, trata-se de procedimentos do sistema judiciário, que possibilita a interposição de recursos e mais recursos. Os juízes sobrecarregados de processos não podem e nem devem ser acusados por isso, uma vez que é o próprio Senado quem não se dispõe a fazer a reforma judicial, para que as coisas andem melhor. O Senador Requião que faz parte do Congresso bem poderia assumir para si essa discussão.
Os altos índices de audiência, que o Requião chama de monopólio, da Rede Globo, não podem ser chamados de corrupção. E se há monopólio, que se criem leis ou aplique as leis vigentes, para evitar isso.
Enfim, como o tempo passa e o espaço é curto, só dá para imaginar que a intenção é confundir tudo, dizendo algo como “se for investigar e punir tem de punir todo mundo”. Francamente, uma coisa são ministros e funcionários de alto escalão surpreendidos com a mão no dinheiro público, outra coisa são os problemas estruturais que reclamam solução também, mas em outro nível.
Se culpa há é preciso investigar e punir na forma da lei e buscar mecanismos para que o desvio de recursos não mais aconteça. Dizer que tudo é corrupção, quando não é, torna-se atitude suspeita de quem quer esconder os erros, seus ou alheios, apontando para outros erros. Mas isso não torna o corrupto inocente.
Colocar ordem nos discursos, analisando o que pode estar escondido é um exercício interessante. Se puder, Caro leitor, olhe a página do Senado e leia o que nossos senadores andam dizendo. Agostinho tem razão, ame o pecador e odeie o pecado. Nos tempos de hoje, porém, odeie a corrupção e puna o corrupto.