A jornalista, redatora e editora da National Geographic, escritora norte-americana Candice Millard e a editora Companhia das Letras presentearam o Brasil, Rondônia e o mundo com uma obra magistral. Trata-se do livro, O Rio da Dúvida – a Sombria Viagem de Theodore Roosevelt e Rondon pela Amazônia.
[pullquote]A expedição já havia sido objeto de um livro, não menos importante, editado em português com o título Nas selvas do Brasil cujo autor foi o próprio Roosevelt.[/pullquote]
[dropcap]R[/dropcap]ondon, que deve ser elevado ao panteão dos grandes sertanistas mundiais, conhecia a nascente do rio, objeto dos livros citados, viveu um momento curioso quando encontrou a nascente desse rio, ele julgou tratar-se do rio Juruena, logo descoberta a confusão, resolveu batizá-lo com o nome de rio da Dúvida.
Os dois personagens principais são titânicos, Roosevelt desponta como o quarto melhor presidente da história dos Estados Unidos, para se ter uma ideia de sua importância para os estadounidenses, um dos rostos esculpidos no monte Localizado em Keystone, Dakota do Sul, o Monte Rushmore é famoso mundialmente por ter esculpidos os rostos dos presidentes americanos George Washington (1789-1797), Thomas Jefferson (1801-1809), Theodore Roosevelt (1901-1909) e Abraham Lincoln (1861-1865).
O outro personagem é Cândido Rondon, maior sertanista da história do Brasil. Rondon foi indicado por duas vezes para receber o Nobel da Paz. Em uma das indicações, 1925, quem defendeu o título para o marechal Rondon foi nada mais nada menos que Albert Einstein.
A obra da brilhante jornalista é teatral, ao entrar em contato com o texto a narrativa constrói um cenário que nos remete à expedição. No meu caso, as imagens foram se compondo despertando lembranças dos tempos de criança.
Cada capítulo foi se construindo de forma mágica e a leitura ocorreu, aguçando as lembranças de uma Amazônia selvagem que conheci nos idos do final da década de setenta. Período em que cheguei com minha família na localidade conhecida como 21, atualmente o município de Colorado do Oeste, localizado no cone sul do estado de Rondônia.
Muitas cenas pareciam muito próximas a mim, talvez o fato de ter percorrido na época rios como o Cabixi, Escondido, Enganado, Guaporé, entre outros, a saga da expedição Rondon, Roosevelt, tenha gerado um impacto mais profundo ao reacender em minhas lembranças as imagens desses rios.
Alguns erros apresentados pela obra não comprometem a narrativa, a autora aponta que a estrada de ferro Madeira Mamoré possui três mil quilômetros de comprimento, quando na verdade nossa ferrovia possui trezentos e sessenta e seis quilômetros.
Alguns outros equívocos são apresentados como o comprimento do rio da Dúvida, apresentado com algumas centenas de quilômetros a mais, erros que incomodam somente as corolas, e chatos de plantão.
A expedição foi marcada por tragédias e apreensões, o ex-presidente escapou por pouco, pois contraiu malária obrigando-o a percorrer boa parte da expedição acamado dentro da canoa.
Uma das situações que mais chama a atenção são os diálogos ásperos entre o então ex-presidente dos Estados Unidos e Rondon sobre os índios.
Roosevelt, sentindo a ameaça exercida pelos Nambiquaras e Cintas Largas, cobra por vários momentos uma atitude mais severa e até hostil de Rondon no sentido de dar combate aos índios.
Rondon, de forma firme e objetiva; marca de sua personalidade amalgamada em uma história de vida onde as asperezas e dificuldades na mais inóspita selva do mundo atingiam o limite da resistência, em que a firmeza das atitudes significava muitas vezes a manutenção da vida; não titubeou um só minuto.
Em vários momentos repreendeu de forma severa o ex- presidente, “nós é que somos os invasores das terras deles”. Em outra passagem, dispara: “não estamos nos Estados Unidos, nossas leis não nos autorizam matar os índios indiscriminadamente”.
Durante boa parte da expedição as diferenças vão sendo pontuadas e Rondon, como homem de grande caráter, se impõe diante de uma realidade amazônica que ninguém conhecia melhor que ele.
O Marechal Candido Mariano da Silva Rondon ocupava o cargo de coronel do Exército brasileiro e possuía a experiência sobre a mais inóspita floresta tropical do mundo. Ele construíra boa parte das linhas telegráficas entre Cuiabá e Santo Antônio das Cachoeiras, localidade mato-grossense situada próximo ao município amazonense de Porto Velho.
Rondon ainda desenvolveu ao lado de um seleto grupo de profissionais, dedicados os mais variados estudos sobre os três reinos da natureza: o animal, mineral e vegetal.
A historiadora americana transmite em seus textos um respeito incomum ao nobre brasileiro que em muitos casos não recebe o mesmo tratamento dos escritores nacionais.
Tenho defendido em meus humildes escritos que nosso Marechal Rondon deve ser enquadrado como um brasileiro de primeira grandeza.
Uma passagem que me tocou na trama histórica, foi quando Roosevelt fica constrangido quando o padre que os acompanha e idealizou a expedição, padre John Augustine Zahm lhe oferece uma cadeira para se sentar logo que chegam à nascente do rio da Dúvida, Roosevelt o rechaça afirmando que não se sentaria em uma cadeira quando o grande sertanista Rondon estava sentado ao chão.
Diante de uma série de situações constrangedoras provocadas pelo padre, Roosevelt resolve dispensá-lo. Em seu retorno, o padre Zahm, chega a pedir aos índios que o carreguem em uma espécie de maca, como as utilizadas no tempo da escravidão. Mais uma vez Roosevelt o repreende afirmando que Rondon possuía sangue indígena e tal ideia o afrontava.
A atuação do padre realmente foi infeliz, porém os episódios serviram para demonstrar o profundo respeito de uma das maiores figuras históricas da virada do século XIX para o século XX, o ex-presidente dos Estados Unidos da América Theodore Roosevelt ao nosso grande sertanista Cândido Rondon.