Com o frequente surgimento de novas variantes do coronavírus no Brasil e no mundo, os cientistas estão atentos para identificar se alguma mutação do vírus será capaz de permitir que ele “escape” da proteção que as vacinas existentes hoje conferem ao corpo humano.
Embora o aparecimento de variantes preocupe, os resultados de estudos feitos sobre as vacinas e as variantes até agora (tanto em laboratório quanto na vida real) são positivos, apontam especialistas em virologia e em doenças infecciosas ouvidos pela BBC News Brasil.
Eles avaliam que as vacinas (inclusive aquelas em uso no Brasil – Coronavac, Astrazeneca/Oxford e Pfizer) têm mostrado bons resultados mesmo diante de novas variantes.
Alertam, no entanto, que é uma corrida contra o tempo, já que o vírus está sofrendo constantes mudanças. Só a vacinação rápida, com medidas restritivas, é capaz de controlar a transmissão e dificultar a situação do vírus, que não teria tantas condições de evoluir e, eventualmente, se tornar mais ameaçador que variantes anteriores.
Sem isso, vivemos uma situação em que o surgimento de novas variantes é, infelizmente, esperado — e os especialistas não descartam que, nesse cenário, poderá surgir uma ou mais variantes que “escapem” das fórmulas de vacina existentes hoje.
“As vacinas que a gente tem no Brasil e no mundo estão dando conta das variantes. Ainda. Isso quer dizer o quê? Que a gente tem que vacinar rapidamente, aproveitando que essas vacinas estão funcionando, para evitar justamente que surjam novas variantes que possam realmente escapar dessas vacinas”, disse à BBC News Brasil a bióloga Natalia Pasternak, fundadora do Instituto Questão de Ciência.
Abaixo, entenda o que a ciência sabe até agora sobre a eficácia das vacinas contra as principais variantes, as limitações dos testes e o que os pesquisadores ainda buscam responder.
P1, a variante prevalente no Brasil
Uma boa notícia para o Brasil é que os estudos feitos até aqui apontam que as três vacinas usadas no país são eficazes contra a variante P1, identificada primeiro em Manaus. Esse indicativo é especialmente importante para o país porque essa variante se tornou prevalente – ou seja, é a que mais circula hoje no Brasil.
O virologista Flávio da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da UFMG, diz que, de acordo com estudos disponíveis até aqui, “a Coronavac parece ter sido a mais afetada em termos de eficácia em relação à P1”, mas destaca que isso não deve ser interpretado como ausência de eficácia.
“Quando a gente fala sobre ser afetado em relação à eficácia, não é que ela deixa de ser eficaz, mas é que sofre maior taxa de perda de eficácia em comparação a outros estudos realizados com as cepas originais”, esclarece.
Segundo as informações disponíveis até aqui, os pesquisadores dizem que as vacinas não estão “ameaçadas” por outras variantes conhecidas, como a britânica ou as identificadas no Rio de Janeiro (P1 e P.1.2).
Em relação à variante indiana, um estudo feito no Reino Unido e divulgado em maio apontou que as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca/Oxford são “altamente efetivas” contra uma das variantes indianas do coronavírus (B.1.617.2) após as duas doses. Esse estudo mediu a efetividade, ou seja, quanto as vacinas conseguem reduzir os casos de doença na vida real.
Segundo o estudo, da agência de saúde pública da Inglaterra, a vacina da Pfizer demonstrou ser 88% eficaz contra casos sintomáticos da variante indiana duas semanas após a segunda dose, em comparação com 93% de eficácia contra a variante britânica. E a AstraZeneca teve 60% de efetividade contra a variante indiana, em comparação com 66% contra a variante britânica.
Ainda não há, segundo o Instituto Butantan, informações sobre a eficácia da Coronavac em relação à variante indiana. No entanto, estudos estão em andamento para conhecer melhor a relação da Coronavac em relação a esta e outras variantes (leia mais abaixo).
Antes, estudo clínico coordenado pelo Butantan com 12,5 mil voluntários já confirmou a eficácia da vacina contra as variantes P1 e P2.
Variante descoberta na África do Sul
Até agora, a única variante que despertou maior preocupação no que se refere à eficácia das vacinas foi aquela descoberta na África do Sul.
No início deste ano, a África do Sul chegou a suspender o uso da vacina de Oxford-AstraZeneca depois que um estudo sugeriu que a vacina oferece “proteção mínima” contra casos leves e moderados da variante descoberta em território sul-africano.
“Ela é a mais preocupante das variantes em relação ao escape de vacinas, mas mesmo ela ainda está coberta pelas vacinas existentes, principalmente para prevenção de agravamento, hospitalização e morte”, diz Pasternak. “Mesmo que tenha pequena queda na capacidade de neutralização, ainda está funcionando e, principalmente, funciona para prevenção de hospitalização e morte, que é o mais necessário.”
Embora essa variante já tenha sido identificada no Brasil, os pesquisadores apontam que ela não conseguiu — pelo menos até agora — se espalhar muito no país a ponto de estar entre as principais.
“Ela não se tornou epidemiologicamente relevante no Brasil. Por alguma razão que desconhecemos, a variante sul-africana não venceu a competição no Brasil com P1 e outras cepas”, diz Flávio da Fonseca, acrescentando que não dá para descartar que isso possa acontecer no futuro.
Mesmo assim, os pesquisadores dizem que até aqui as variantes não comprometeram as vacinas e alertam para que todos se vacinem assim que tiverem a oportunidade.
“Não teve ainda nenhuma vacina ou nenhuma variante que realmente escapou de alguma vacina a ponto de a gente falar: ´puxa, não vai dar para usar, a gente vai ter que redesenhar essa vacina´. Isso ainda não aconteceu”, diz Pasternak.
Médica especialista em doenças infecciosas e professora da USP, Silvia Costa diz que “podemos ficar tranquilos que as vacinas estão protegendo e, de qualquer maneira, protegem também da forma grave da doença”. E lembra que as duas doses são necessárias.
“Todas as vacinas disponíveis no Brasil até o momento precisam de duas doses e essa proteção vai ocorrer após, pelo menos, duas semanas da segunda dose. Então, entre uma e outra, se o indivíduo tiver uma exposição, ele pode ter a doença e pode ser grave. Em menos de duas semanas após a segunda dose, também.”
Costa coordena uma pesquisa de covid-19 feita com 22 mil profissionais de saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, majoritariamente vacinados com a Coronavac.
Em uma nova fase da pesquisa, Costa diz que a equipe está avaliando anticorpos neutralizantes e imunidade celular dos vacinados para mostrar, de forma mais aprofundada, a proteção que a Coronavac propicia em relação a variantes (inclusive a indiana).
Teste ‘in vitro’, teste da vida real e suas limitações
Como os cientistas chegam a essas respostas sobre eficácia das vacinas contra as variantes?
Os pesquisadores apontam que há uma limitação do que é possível testar rapidamente em laboratório. Geralmente, o primeiro passo quando surge uma nova variante é testar as vacinas em relação à sua capacidade de produção de anticorpos neutralizantes.
“In vitro, eu pego amostra do sangue do indivíduo que participa do estudo, vou expor essa amostra a diferentes variantes do vírus e avaliar a quantidade e tipos de anticorpos que o plasma do indivíduo foi capaz de produzir na presença das diferentes variantes”, explica Costa.
É assim que se verifica se, caso a pessoa fosse exposta àquela variante, teria produção suficiente para neutralizar as variantes.
O problema é que isso testa apenas uma parte da resposta do corpo a um vírus, explica Pasternak.
“Anticorpos neutralizantes são uma face da nossa resposta imune — e uma face muito fácil de testar com exame de sangue, por isso que a gente faz esse teste rapidamente. Mas a gente tem outras respostas imunes – os anticorpos que não são neutralizantes, mas que sinalizam para outras células do sistema imune, que são importantes; tem a resposta celular, formada pelos linfócitos T, que também é muito importante — talvez mais importante do que a resposta de anticorpos para essa doença —, e isso não se testa facilmente num exame de sangue.”
É por isso que os cientistas consideram esse tipo de teste um bom indicativo, mas não uma resposta final.
“Para saber realmente se aquela vacina protege contra aquela variante, a gente precisa testar isso no campo, no mundo real. Então, a gente precisa acompanhar uma população que usou aquela vacina e ver qual é a incidência da doença com aquela variante circulando”, diz Pasternak.
Costa aponta outra limitação dos estudos: “Quando estou avaliando, tanto na vida real, quanto em em vitro, é só aquele momento. É uma fotografia do que está acontecendo com aquele indivíduo, por exemplo, quatro semanas após a segunda dose da vacina. No decorrer do tempo, nós não sabemos o que vai acontecer.”
E isso tem a ver com as principais questões, ainda sem resposta, que os cientistas buscam responder em relação à vacina contra a covid-19: Quanto tempo de imunidade as vacinas nos conferem? Será necessário vacinar a população de forma periódica?
Laís Alegretti – @laisalegretti
Da BBC News Brasil em Londres