A história do Brasil precisa ser revisitada em quase tudo. Tenho feito essa afirmativa em todas as minhas palestras. Neste artigo gostaria de refletir sobre a história deste que seria o maior herói de nossa pátria.
[dropcap]O[/dropcap] título pode até chocar a maioria das pessoas que conhecem somente a versão oficial da história desse personagem, porém a afirmativa é ou deveria ser conhecida dos historiadores e professores de história. Não é nenhum exagero afirmar que este personagem é uma ficção dos republicanos e maçons do final do século XIX e inicio do século XX.
Vários autores como: Dr. Otto de Alencar de Sá Pereira, livre-docente da Universidade Católica de Petrópolis, autor do livro “Diálogos Monárquicos”. Hipólito da Costa “Narrativa da Perseguição”. Martin Francisco Ribeiro de Andrada III com o livro “Contribuindo” editado em 1921, entre outros, lançam as dúvidas que derrubam o heroísmo histórico do personagem ora visto.
Além desses autores, uma gama enorme de novos estudiosos vem revelando o quanto nossa história é composta por grande quantidade de eventos e personagens resultado da pura intenção de se legitimar os ideais elitistas e coronelescos deste país.
Os historiadores “oficiais” insistem na idéia do “documento” como instrumento legitimador da história. Como se os interesses de grande parte dos poderosos, alheios a ética e verdade, não pudessem escrever nos “documentos” aquilo que era dos seus interesses.
A maioria dos historiadores e professores de história deve lembrar que foi essa mesma elite que manteve a maldita escravidão, a infame concentração de terras e rendas, o atual sistema tributário que denigre a todos nós, os autoritários sistemas políticos que por centenas de anos impediram a democratização da sociedade brasileira.
A mesma elite política que desde o tempo de Cabral já se utilizava de instrumentos como a mordaça, degredo, cinismo e corrupção para seu enriquecimento.
Os documentos históricos produzidos por essa ótica devem ser profundamente questionados dentro dos princípios da transparência, razoabilidade, criticidade, politicidade e verdade.
Vamos refletir a história de Tiradentes buscando esses conceitos. Ele foi membro da Inconfidência Mineira ocorrida no ano de 1789, na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto Minas Gerais. Foi transformado em herói pelo movimento republicano brasileiro, movimento que criou um modelo de república tão ruim que entrou para a história do Brasil como “República Velha ou República dos Coronéis”. A prática política era tão corrupta ou até pior que a praticada no período imperial do Brasil.
Nosso maior herói, membro pobre da maçonaria, foi personagem de uma conspiração que nem chegou a acontecer, pois foi delatada, dedurada, por Joaquim Silvério dos Reis, um dos maçons que era membro do tal levante.
Não tenho a intenção de diminuir ou ridicularizar a nossa história, pois temos centenas de milhares de grandes figuras históricas que merecem nosso respeito, poderia citar: Antônio Cândido, o Almirante Negro da Revolta da Chibata, Zumbi do Palmares, Tereza de Benguela a Rainha Negra do Vale do Guaporé, Candido Rondon, um dos maiores sertanistas do mundo, Ajuricaba da tribo dos Manaós, Lucas Dantas, Luiz Gonzaga das Virgens, Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus Nascimento, ambos integrantes da Revolta dos Alfaiates na Bahia, Manoel Barbeiro, Patriota, Joaquim Antônio, membros da Cabanagem ocorrida no Pará, Plácido de Castro o Libertador do Acre, os fortes homens e mulheres que lutaram pelo ideal de Canudos etc.
Esses possuíam muitos defeitos para as elites, ou eram negros, índios e pobres, ou ainda, lutaram contra o modelo tupiniquim de República retrograda do Brasil do café com leite.
Se olharmos para os heróis nacionais de outros países, veremos que marcaram seu tempo e país com atos de bravura, expondo suas valorosas qualidades, como a honra, solidariedade, defesa dos ideais de liberdade etc. Podemos citar a Joana Darc na França, Gandhi na Índia, El Cid na Espanha e Abrahan Lincoln nos EUA.
Nosso Tiradentes não ficou conhecido nem pelo nome verdadeiro e sim por um apelido. Existe uma série de dúvidas sobre este personagem, muitos autores revelam coisas terríveis, há quem afirme que nosso “herói”, recebeu este apelido em função de roubar os dentes de ouro dos mortos. Segundo alguns textos nosso herói não teria sido enforcado e nem sofrido o esquartejamento.
Em 1969, o historiador carioca Marcos Correa estava em Lisboa quando viu fotocópias de uma lista de presença na galeria da Assembléia Nacional francesa de 1793. Correa pesquisava sobre José Bonifácio de Andrada e Silva e acabou encontrando a assinatura que era o objeto de suas pesquisas. Próximo à assinatura de José Bonifácio, também aparecia a de um certo Antônio Xavier da Silva. Correa era funcionário do Banco do Brasil, se formara em grafotécnica e, por um acaso do destino, havia estudado muito a assinatura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Concluiu que as semelhanças eram impressionantes.
Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro, na Cadeia Velha, e seu julgamento prolongou-se por dois anos. Durante todo o processo, ele admitiu voluntariamente ser o líder do movimento, com culpa exclusiva, uma atitude tipicamente de um “bode” maçônico, e mesmo porque tinha a promessa que livrariam a sua cabeça na hipótese de uma condenação. Em 21 de abril de 1792, com a ajuda de companheiros da maçonaria, foi trocado por um ladrão. O carpinteiro Isidoro Gouveia.
O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela maçonaria. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas e testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que os 45 anos de idade que tinha Tiradentes.
No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa, “Narrativa da Perseguição” é documentada a diferença física de Tiradentes com o homem que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro “Contribuindo”, de 1921: “Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito.
O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado e os pedaços espalhados pela estrada até Vila Rica, atual Ouro Preto, cidade onde ocorreu a Inconfidência Mineira. A cabeça foi salgada e colocada em uma gaiola presa numa estaca no centro da Praça de Santa Quitéria, hoje Praça Tiradentes. Foi roubada no dia seguinte, por membros da maçonaria, para que a farsa não fosse descoberta.
Gostaria de convidar o leitor para comigo, fazer uma pequena comparação histórica. Tiradentes teve sua imagem construída em profunda semelhança com a de Jesus Cristo. É até complicado separar um do outro. Jesus era acompanhado por seus apóstolos. Tiradentes era acompanhado por seus inconfidentes. Tanto entre os apóstolos como entre os inconfidentes não existiam mulheres. Jesus foi traído por Judas em troca de um punhado de moedas de ouro. Tiradentes foi traído por Joaquim Silvério dos Reis por um punhado de moedas de ouro. Jesus assumiu toda a responsabilidade, acabou sendo executado sozinho. Tiradentes assumiu toda a responsabilidade e teria sido executado também sozinho. Judas se enforcou por conta do profundo arrependimento. Joaquim Silvério dos Reis também se enforcou.
Meus queridos alunos, sem rodeio, sem ingenuidades, sabendo o país que temos os dirigentes políticos que temos os historiadores a serviço da legitimação dos ideais, patriarcal, branco, latifundiário, cristão, autoritário que temos. Fica a pergunta: Até quando vamos levar esta farsa?
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