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Artigo: A bacia semântica de Vilhena

Por Ivanor Luiz Guarnieri

Em tempos de preocupação com a cultura e no embalo das alegres notícias sobre eventos mil que ocorrem por esses lados, além da honrosa ideia de elogiar as iniciativas, convém ao escrevente destas linhas pensar, com seu leitor, acerca de uma ideia antropológica, de Gilbert Durand, já bastante conhecida: a bacia semântica.

A ‘bacia semântica’ em termos gerais é o conjunto de ideias, significados, expressões de dada sociedade, na qual o indivíduo nasce. Incluo-me entre os que são afetados pela bacia semântica e, se o leitor permitir, o incluo também, pois dela ninguém escapa. Conhecemos o mundo, aprendemos a falar e junto com a língua aprendida adquirimos os significados sobre as coisas. No fundo as palavras são conceitos com os quais tratamos a realidade.

Na cabeça de cada um os valores, conceitos, expressões e modos de ver o mundo. Mas isso não é invencionice do sujeito individual, a pessoa retira do meio onde vive mais do que alimento para o corpo, também recheia o cérebro com informações que supostamente possam servir para sobreviver. Supostamente, digo eu, uma vez que hoje a sobrevivência parece menos ameaçada e com isso é possível se dar ao luxo de desperdiçar tempo com ninharias, como a vida alheia de pessoas que jamais veremos diretamente e sobre as quais se tem apenas uma pálida ideia transmitida por programas de televisão.

Convenhamos, a vida ficou mais fácil na medida em que a natureza se mostra menos hostil e morrer de dor de barriga, catapora, lepra, sarampo, dor de dente (boca estragada), e outros males que afligiam nossos remotos antepassados parecem ser apenas coisa do passado. Por outro lado muitos brasileiros morrem um pouco a cada dia sem se dar conta, prestando atenção ao festival nacional de bobagens sobre quase de tudo um pouco. Os jornais informativos que pouco informam, notadamente os do horário nobre, estão longe de fazer jus ao medo que alguns políticos têm dos profissionais das reportagens. As línguas de fogo dos jornalistas que deveriam derreter com a informação as grades de ferro do poder político abusivo se mostram muito dóceis, às vezes fugindo do assunto para articular outras informações, ou simplesmente preferem lamber os políticos, mas não questioná-los.

Se no Brasil é assim, isso se deve à bacia semântica, construída todo dia, moldada e remodelada a todo momento por discussões ideias e procedimentos que confirmam o modo de ser de determinada sociedade. Somos o triste resultado alegre de fatores históricos mal conhecidos e motivos atuais, menos conhecidos ainda.  Quanta coisa há para se saber, estudar e conhecer sobre nós mesmos e espreguiçamos desatentos aos livros. Perdão, nem digo livros, digo programas de televisão mesmo, já que apreciamos a telinha. É só mudar a sintonia, saindo dos canais estilo bumbum, coxas, seios, piadas sujas, celebridades fugazes, campeonatos esportivos anti-esportivos e quejandas e assistir documentários ao estilo canal futura, cultura, tv senado. Por que não mudar? Invoquemos mais uma vez a tirânica bacia semântica na qual nascemos, crescemos nos formamos.  Acostumados a digerir alimentos de segunda categoria em termos de cultura e informação, quem sabe até alimentos sem categoria, inclassificáveis, há certa dificuldade para mudar de paladar. O gosto não é coisa que se modifique num estalar de dedos. É necessário experimentar aos poucos, ir modificando os conceitos, querendo provar algo mais requintado e, com o tempo, velhos programas de entretenimento passarão a ser desprezados para ceder lugar a algo mais elevado.

Ivanor-ArtigosO bom gosto requer certo esforço e depende da existência de oportunidades para se apreciar arte, ciência, filosofia, música, pintura e uma infinidade de outros elementos que fazem parte da grande bacia semântica ocidental, que parece estar reservada para pouco. Por isso, louvem-se as iniciativas da criação da Fundação Cultural de Vilhena, da existência da Orquestra Sinfônica de Vilhena e façamos votos que a universidade federal possa melhorar. Com iniciativas voltadas para menos “vida dos famosos” e mais conhecimento científico e cultura artística (das artes mesmo, não de certos artistas televisivos) possamos melhorar a percepção de mundo que temos, modificando a própria bacia semântica vilhenense.





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