Dados foram divulgados pelo Tribunal de Justiça de Rondônia. O g1 conta as histórias de filhos que não tiveram nem no registro de nascimento e nem na vida a presença paterna.
Dados divulgados pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO), em um levantamento feito nas 23 comarcas do estado, apontou que em 2021 20.391 crianças tiveram apenas o nome da mãe registrado na certidão de nascimento.
O supervisor de segurança patrimonial Eri Prestes foi uma das crianças que não tiveram nem na vida e nem no nome a presença do pai. Ele conta que ao registrar o próprio filho, fez questão de ter seu sobrenome no nome do menino.
No registro de nascimento de Eri Prestes, de 32 anos, o lugar em que deveria estar a identificação do nome do pai está em branco. Quando o pai de Eri morreu, ele tinha cinco anos e morava com a família no interior de Rondônia. Ele conta que não tem lembranças do pai.
“A minha mãe me dava tudo o que eu precisava: carinho, abraço e as coisas que sempre necessitei. Ela estava presente para mim e para os meus irmãos. Eu cresci sabendo que eu não tinha um pai, então não tinha que ficar cobrando nada da minha mãe. Sentir falta dele? Eu senti. Mas não era motivo para cobrar ela”.
Hoje, casado, Eri conta que o momento mais marcante de sua vida foi o nascimento do filho Benjamin. O supervisor diz que na hora de registrar o nome do menino, fez questão de estar presente e fala da emoção de ter no documento o sobrenome e a compreensão da responsabilidade do que era aquele ato.
“Benjamim dos Santos Akerley Prestes, esse é nome dele. Ver meu sobrenome ali fez toda a diferença. Naquela hora prometi pra mim que daria a ele tudo o que meu pai não me deu. E acima de tudo, quero estar presente na vida dele”.
Sem a figura paterna presente, um advogado de Porto Velho, que preferiu não se identificar, conta que quando pequeno foi adotado. Ele lembra das dificuldade enfrentadas pela mãe, mas diz que o fato de não ter uma figura paterna não fez falta.
“Quando minha mãe me pegou para adotar ficou só o nome dela mesmo. Mas para dizer a verdade, nunca senti falta, pois minha mãe conseguiu suprir a figura do meu pai. Foi ralado, foi difícil. Ela foi minha figura paterna”.
Direito negado
A ausência da paternidade vai além da falta do nome do genitor no documento. Também representa um direito negado à criança, explica o juiz Marcelo Tramontini.
“Esse direito não é da mãe da criança. As vezes por desinformação ou desentendimento essa mãe e a família materna não indicam o nome do pai, que não está presente e não está acompanhando a gestação. Se a família não indica quem é o pai, a Justiça fica de mãos atadas. Uma negação de direito é uma preocupação nossa, pois com a negação desse direito, a criança irá carregar esse estigma para o resto da vida de não ter sua origem estabelecida em seus documentos. Inclusive não poderá responsabilizar os pais dessas crianças e futuros adolescentes”, destaca Marcelo Tramontini.
contabilizou que mais de 20 mil crianças não tiveram no registro o nome do pai. O juiz Tramontini diz ter ficado perplexo com a realidade exposta por meio dos números.
“É um escândalo. Como uma sociedade pode dar certo com números desse calibre? São 25% das nossa crianças sem a paternidade estabelecida. Cerca de um quarto das crianças nascidas em Porto Velho em 2021 foram registradas sem a paternidade estabelecida. Procuramos os dados até 2018 e os números não são diferentes, são muito altos”.
1º lugar no ranking: Porto Velho
A capital lidera o ranking das cidades em que na certidão de nascimento não aparece o nome do pai ou que há a informação apenas de suposto pai. Em seguida vem Ariquemes e na terceira posição está Ji-Paraná.
A análise de dados foi feita com base nas informações dos registros efetuados e separados por Comarca, no período selecionado. Os percentuais calculados levam em consideração a soma dos registros feitos em cada município e o total dos realizados em todas as comarcas de Rondônia.
Os dados coletados entre os anos de 2018 e 2020 também apontam um cenário semelhante no estado:
Mecanismos legais
Quando o documento tem a informação de “suposto pai”, a Justiça entra em ação. Processos judiciais são abertos para fazer com que esse pai assuma a responsabilidade, uma vez que, o direito de reconhecimento paterno é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Constituição Brasileira, afirma o promotor de justiça, Marcos Valério Tessila de Melo.
“A omissão dos pais tem causado vários problemas no desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. É preciso mudar essa realidade, e é isso que o Tribunal de Justiça de Rondônia, o Ministério Público e a Defensoria Pública pretendem fazer. Um apelo que fazemos é que as famílias repensem isso. E sempre que for registrar uma criança, a mãe tem essa oportunidade de que se o pai espontaneamente não indica, não está presente e não manifesta interesse, ela pode indicar quem é esse pai pois o Ministério Público, Defensoria Pública e o Poder Judiciário dispõem de mecanismo legais para responsabilizá-lo adequadamente”.
Por Jheniffer Núbia, g1 RO