A programação matinal da TV Globo começou um pouco diferente nesta segunda-feira (5/7). Ana Maria Braga não comandou o programa Mais Você e teve que ir para o hospital após um teste confirmar que ela está com covid-19.
A apresentadora de 72 anos fez uma chamada de vídeo e entrou ao vivo por alguns minutos no programa. Ela disse que estava sentindo alguns incômodos nos últimos quatro dias, como dor de garganta e cansaço, mas pensou que tinha um resfriado ou uma gripe mais leve.
Ao passar pelo exame de rotina nos estúdios da emissora, porém, ficou constatado que o causador de todos aqueles sintomas era mesmo o coronavírus. Braga relatou que está se sentindo relativamente bem e vai permanecer em observação e isolamento pelos próximos dias.
Um aspecto que chama a atenção é o fato de a apresentadora já estar vacinada desde março, segundo publicações feitas nas redes sociais.
Após o anúncio no programa matinal, não demorou muito para que fossem lançadas mais uma vez na internet dúvidas sobre a eficácia e a segurança dos imunizantes. Segundo essa linha de raciocínio, o que aconteceu com a artista seria “a prova” de que esses produtos não funcionam.
Mas a realidade mostra justamente o contrário: os estudos científicos já nos apontam há meses que as vacinas contra a covid-19 têm uma boa eficácia para barrar os casos mais graves da doença. É claro que elas não são 100% eficazes — como, aliás, nenhum imunizante é, mesmo aqueles que estão disponíveis há décadas para outras enfermidades, como sarampo, gripe e catapora.
Outro ensinamento importante dessa experiência é que todos devem continuar se cuidando com o distanciamento físico e o uso de máscaras, até que uma grande porcentagem da população esteja vacinada e a pandemia fique controlada, com números de casos e mortes bem baixos.
“Enquanto não tivermos uma boa parcela imunizada, não dá pra relaxar nas medidas preventivas”, recomenda a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Uma resposta bastante complicada
Independentemente do tipo de tecnologia usada, as vacinas têm um objetivo principal: fazer com que nosso sistema imune seja exposto com segurança a um vírus ou a uma bactéria (ou pedacinhos específicos deles).
A partir desse primeiro contato, que não vai prejudicar a saúde, nossas células de defesa geram uma resposta, capaz de deixar o organismo preparado caso o agente infeccioso de verdade resolva aparecer.
Acontece que esse processo imunológico é extremamente complicado e envolve um enorme batalhão de células e anticorpos. A resposta imune, portanto, pode variar consideravelmente segundo o tipo de vírus, a capacidade de mutações que ele tem, a forma como é desenvolvida a vacina, as condições de saúde da pessoa…
No meio de todos esses processos, portanto, é muito difícil desenvolver um imunizante que seja capaz de evitar a infecção em si, ou seja, bloquear a entrada do causador da doença nas nossas células.
“Mesmo nos casos em que a vacina não consegue prevenir a infecção, muitas vezes a resposta imune criada a partir dali pode tornar os sintomas menos graves nas pessoas que foram imunizadas, prevenindo assim doenças mais severas e óbitos”, diz a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, nos Estados Unidos.
Isso ocorre, por exemplo, com as vacinas contra o rotavírus e a gripe: quem as toma pode até se infectar, mas o risco de desenvolver formas mais graves da doença é reduzido consideravelmente.
Ou seja, elas aprimoram e modificam alguns aspectos do sistema imune que não chegam a bloquear a ação do vírus no organismo, mas ao menos impedem que ele se replique numa velocidade muito alta e cause estragos que afetam a saúde de forma preocupante.
E esse poderio é valiosíssimo quando pensamos em termos de saúde pública. Desde 2006, o uso amplo e sistemático do imunizante contra o rotavírus nos Estados Unidos, por exemplo, reduziu em 90% a necessidade de levar crianças ao hospital para tratar infecções relacionadas a esse agente.
Tal raciocínio também se aplica nas campanhas contra a gripe. As pessoas que tomam a dose anual podem até pegar o influenza (o vírus causador dessa doença), mas a probabilidade de desenvolver complicações que exigem internação cai consideravelmente.
E isso é bom para o indivíduo, que não desenvolve esses problemas, e para o sistema de saúde, que não fica abarrotado de pacientes no outono e no inverno.
Como está a situação na pandemia atual?
Todos os imunizantes contra a covid-19 já disponíveis foram testados para medir a capacidade de evitar os casos graves, que estão relacionados ao risco maior de hospitalização, intubação e morte.
Os produtos que ganharam o aval das agências regulatórias foram bem-sucedidos nos estudos feitos ao longo de 2020 e 2021. Podemos dizer que eles reduzem significativamente a chance de desenvolver os sintomas mais graves, que exigem tratamentos intensivos.
Alguns, como os da Pfizer/BioNTech e da Moderna, vão além e previnem até a transmissão do vírus, como mostram as campanhas de vacinação em Israel e nos Estados Unidos.
Mas é preciso reforçar aqui o termo “redução de riscos”: nenhuma vacina é 100% eficaz, e algumas pessoas que recebem as doses podem, infelizmente, desenvolver as formas mais graves da doença. E esse risco é ainda maior em meio ao descontrole pandêmico. Quanto mais o vírus circula numa comunidade, maior o risco de as pessoas já vacinadas entrarem em contato com ele e eventualmente se infectarem.
E foi isso o que provavelmente aconteceu com Ana Maria Braga e muitos dos brasileiros que já receberam as duas doses mas, mesmo assim, pegaram a covid-19. Como a transmissão do vírus continua altíssima em todo o país, o risco de episódios como esses só aumenta.
E esses acontecimentos reforçam dois pontos cruciais no atual momento: é necessário continuar tomando todos os cuidados preventivos e precisamos urgentemente acelerar o ritmo de vacinação.
Ganho individual ou um bem coletivo?
Quando tomamos uma vacina, sempre pensamos em nossa própria saúde: na maioria das vezes, o objetivo é diminuir o risco de pegar determinada doença infecciosa. Mas precisamos ter em mente que o benefício da vacinação vai muito além de nós mesmos. Quando nos protegemos, estamos beneficiando por tabela toda a sociedade.
Afinal, o imunizante pode quebrar as cadeias de transmissão de um vírus (quando ele é capaz de prevenir a infecção) ou diminuir o risco de superlotação dos leitos hospitalares (quando ele minimiza as chances de evolução para os quadros mais graves).
Mas há um detalhe importante nessa história. Esses efeitos positivos só costumam ser sentidos quando uma parcela considerável da população está efetivamente imunizada.
Esse é o cenário que se avizinha em locais como Israel, Estados Unidos e Reino Unido, que já aplicaram as vacinas contra a covid-19 em praticamente metade dos cidadãos: os registros de óbitos, hospitalizações e até de casos nesses locais vêm caindo consideravelmente e já é possível falar de um controle da pandemia, apesar de as novas variantes do coronavírus representarem uma ameaça a essa possível luz no fim do túnel.
“A vacina é, principalmente, um bem coletivo. E esse impacto individual, de proteção contra determinada doença ou suas formas mais graves, cresce à medida que uma maior parte da população é vacinada”, explica Garrett.
Fica fácil entender isso quando analisamos o que aconteceu com outras doenças. O Brasil só eliminou o sarampo, por exemplo, quando ultrapassou e mantive a marca de 95% da população imunizada por alguns anos. “Bastou essa cobertura vacinal caísse um pouco para que essa doença voltasse com tudo em 2017 e 2018”, lembra Ballalai.
No caso da covid-19, nosso país está ainda muito longe de obter qualquer avanço significativo no controle de casos e mortes. Por ora, cerca de 12% da população está imunizada contra a covid-19, o que é muito pouco do ponto de vista coletivo. “Ainda temos muito chão pela frente para começarmos a observar uma melhora nesse cenário”, destaca a vice-presidente da SBIm.
Só quando essa taxa de vacinados subir muitos e muitos pontos percentuais (o que só deve acontecer lá para o final de 2021 e início de 2022), é que será possível aventar a possibilidade de uma imunidade coletiva.
Isso, claro, depende não apenas da entrega de novos lotes dos imunizantes, mas também da participação ativa de todos os brasileiros, que precisam ir aos postos de saúde para tomar a primeira e a segunda dose quando forem convocados.
Além disso, estamos num momento bastante delicado da pandemia, e todos nós (vacinados e não vacinados) devemos continuar a respeitar aquelas medidas não farmacológicas, como o distanciamento físico, o uso de máscaras (de preferência a PFF2 ou a N95), a lavagem de mãos e a atenção extra com a circulação de ar pelos ambientes fechados.
Diante de todos os fatos e evidências, o que aconteceu com Ana Maria Braga, portanto, não deve ser encarado como motivo para desconfiar ou negar as vacinas, muito pelo contrário. O episódio só reforça e confirma a necessidade de que cada um faça a sua parte para que a pandemia seja controlada e possa virar, em breve, um assunto restrito às memórias e aos livros de história.
André Biernath
Da BBC News Brasil em São Paulo