A rigor o termo democracia significa que o poder vem do povo. De fato, desde o exemplo da Grécia antiga, ou mais especificamente de Atenas, as pessoas supõem que isso seja verdade.
Atenas antiga era uma cidade dominada por donos de terras e de escravos. As famílias ricas eram as que determinavam a política ateniense. Os membros dessas famílias se reuniam na praça pública, chamada ágora, e deliberavam sobre os assuntos da cidade. Como essas famílias detinham poder econômico, detinham igualmente poder político. De tal modo que, quando se decidia fazer a guerra contra outra cidade, eram esses cidadãos atenienses que arcavam com os custos e ficavam com as glórias.
Ser cidadão ateniense era ser dono de propriedades e vice-versa. Regra geral, era assim que as coisas eram decididas na famosa “democracia ateniense”. Coloco entre aspas “democracia ateniense”, pois, na verdade, a palavra vem de demos= povo, kracia= governo; mas povo era assim chamado para tais famílias que mandavam em Atenas.
Os cidadãos atenienses deliberavam sobre a política. Essa forma de democracia direta seria a mais desejável. Digo seria, pois não parece nada democrático deixar de fora das decisões as mulheres, consideradas incapazes de deliberar, como pensavam os atenienses daquela época. Além delas, os escravos e estrangeiros também nada podiam dizer. E, como em todo lugar, os pobres estavam excluídos, já que sua voz pouco era ouvida. Como desde sempre, os que tem condições de bancar a guerra mandam no país.
Os discursos que falam de democracia também falam de isonomia. Palavra bonita que remete diretamente à igualdade. Mas, pelo menos desde George Orwell e sua obra “A revolução dos bichos”, já fomos suficientemente informados que todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.
O atual debate político invoca a todo momento a palavrinha mágica de quatro letras: povo. Dizem os políticos profissionais que o povo quer isso ou deseja aqui. Afirmam também que o povo está insatisfeito. Pior do que isso, não ficam nem um pouco constrangidos em se auto intitularem representantes do povo.
Dificilmente alguém se pergunta: o que é ser povo? Ora, o conceito de povo implica outros conceitos: o de nacionalidade, de etnia, de língua, de costumes, de tradições, de território ocupado por um grupamento de pessoas, entre tantos outros conceitos que exigem outras explicações. Desse modo, a ideia de povo é suficientemente confusa, pois muito ampla, e suficientemente ampla para abarcar todo mundo de um determinado espaço geográfico.
Se perguntar às pessoas: você se considera povo? Observe como muitas torcem o pescoço pensativas, pois a ideia de povo implica outra, a de que quem assim se define pertence ao senso comum. Os romanos faziam uma pequena distinção entre povo e vulgo. Do vulgo são aquelas coisas vulgares, desagradáveis até. Para nós, povo assume esse sentido, quando se trata de senso comum.
Disso tudo resulta a constatação de que os políticos quando falam em democracia, igualdade e povo mais confundem do que ajudam. Confundem, pois essas três palavras são ouvidas de modo igual, mas cada um de nós tem ideias diferentes a respeito delas.
A confusão feita na ordem dos discursos políticos não é por acaso. A arte política consiste em falar em nome da maioria e atender os interesses da minoria. Para tanto, o político discursa dizendo que o que propõe é para o bem de todos, mas se espreme por esconder os interesses de grupos que representa.
Lembrando à situação de Atenas, não temos, hoje, efetivamente ‘A Democracia’, mas certo tipo de democracia, na qual o poder invisível determina as coisas. Em Atenas eram os grandes proprietários e donos de escravos que determinavam as coisas, publicamente. No Brasil também são os ricos donos de empresas e patrões de seus empregados que determinam as coisas, só que de modo mais sutil, valendo-se para tal de representantes. Opa, chegamos a um ponto interessante da democracia: quando algum eleito diz fazer isso ou aquilo pois são representantes do povo, quase sempre é possível trocar povo por financiadores de campanha e assemelhados.
O atual quadro político brasileiro, no qual se assiste a luta pelo poder, com alguns querendo derrubar outros, tem muito a ver com esse modo de ser da democracia brasileira. Nessa democracia, os crimes que servem para punir alguns não podem ser admitidos para punir outros. Ou seja, o culpado não é o que porventura tenha cometido algum crime, mas aquele que não está mais do lado dos que mandam de fato. Tudo isso se faz em nome do povo; ou contra ele, já que o mundo é dos desiguais ricos.