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Ernestina; artigo do professor Ivanor Luiz Guarnieri

Até hoje não ficou esclarecido totalmente o que aconteceu com a Ernestina (nome fictício para não atrair suspeitas sobre essa pequena peça de ficção). O fato é que o tempo não ajudou a desvendar as razões de sua atitude.

Tudo parecia bem em sua vida e ela própria fazia questão de mostrar seu rosto público com ares de honestidade. Se pintava de boa moça, fazia os deveres de casa, cuidando do pais a quem obedecia com vivo amor. Seus maiores presentes eram os elogios que recebia. “Não é fácil ser jovem, bonita, inteligente, desejada, educada e, acima de tudo, humildes como sou”, pensava ela.

Talvez o problema esteja justamente na má imagem que fazia de si mesma. Ernestina se julgava humilde quando, na verdade, por todos os poros de seu corpo transpirava o orgulho. O orgulho era alimentado pelos elogios que nossa heroína amava.

As relações humanas são construídas com pequenas competições. Não é por acaso que as pessoas se arrumam para sair. Os detalhes do brinco, a escolha do batom, a cor da roupa combinando com a tez da pele de Ernestina eram cuidadosamente escolhidos afim de causar a boa impressão de sempre.

Numa tarde suarenta qualquer, seguia ela para o ensaio de canto. Mais uma vez mostraria a beleza de sua voz que combinava tão bem com a beleza do resto de sua pessoa. Tomada de surpresa, viu que havia gente nova no grupo, inclusive o padre, que se não era muito novo, mas era jovem bastante para incendiar suspiros. Ele não tinha culpa de carregar consigo a simpatia que carregava. Anos de seminário ensinam muitas coisas. Seu objetivo era apenas catequizar e conquistar almas, de preferência para Jesus.

Naquele dia, Ernestina voltou para casa mais contente do que de costume. Seus pais notaram isso, mas nada disseram. Na cama, de noite, o casal se olhou e sentiu no olhar que a filha estava amando.

Os dias alegres começaram a murchar. Ernestina passou da quase euforia para a tristeza e, depois, para a melancolia. O estado de melancolia é propício para pensar. Foi pensando que nossa personagem percebeu a atmosfera competitiva em que se encontrava. Era um mundo no qual não bastava a oração. A fé religiosa nem sempre tinha a mesma força que o desejo de admirar e, principalmente, ser admirada.

Era quase final de ano, festejos vários. Ao pedir a bênçãos aos pais, Ernestina comunicou-lhe o desejo de estudar em outra cidade. Sim, não poderia mais continuar apenas com o ensino médio em um mundo tão competitivo como o de seu tempo. Sua cidadezinha não tinha curso superior e, por isso, era quase inevitável ir morar na capital.

Os pais de Ernestina não tinham muito dinheiro, mas ao comentarem com um dos vizinhos o desejo da filha ouviram um comentário que de tão sincero tornou-se quase uma ofensa: “E ela lá tem condições de estudar, o lugar dela é ser boa mãe, no futuro. Mulher prendada como ela serve para isso só, não é não? ” De fato, não era comum naquele tempo a moça tornar-se doutora.

Esforços foram feitos e Ernestina seguiu para a grande cidade, assim, de repente.

Por certo tempo as pessoas da cidadezinha especularam sobre as razões de sua mudança. As especulações descambam logo para a maledicência. Não faltou quem afirmasse que ela estava esperando um filho, sabe lá de que pai. E quem sabe até teria ido trabalhar em algum prostíbulo na capital.

Prof. Dr. Ivanor Luiz Guarnieri (UNIR)

Todo comentário maldoso tem uma boa dose de inveja. As coisas pioraram quando ela voltou já formada e com bom emprego. Pior ainda, dirigindo seu próprio carro. Ela continuava fazendo questão de exibir o próprio sucesso, atraindo ainda mais falatórios de gente ressentida com o sucesso alheio. Donde se conclui que não basta ser bonita, educada, cobiçada e inteligente, é preciso afastar o orgulho e se mostrar humilde. O sucesso é tolerado quando seu dono se mostra humilde. O sucesso é quase imperdoável se exibido com orgulho.

Quanto às razões de ter decidido estudar na capital, até hoje não estão muito claras. Seria amor próprio?




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