Vítimas foram aliciadas para trabalhar na extração de castanhas, na Bolívia
As informações colhidas no inquérito mostram que os três acusados aliciavam moradores de rua, em evidente situação de vulnerabilidade, para trabalhar nos castanhais. Eles realizavam o transporte das vítimas para a Bolívia e as obrigavam a exercer jornada de trabalho exaustiva, com média de 12 horas diárias sem interrupções, descanso ou pausa para alimentação. Também ficou provado que o trabalho era realizado independentemente das condições climáticas.
Os castanhais estão situados em região de floresta inóspita, acessível apenas pela via fluvial. Os únicos meios de transporte existentes no local são barco ou voadeira (canoa com motor), que pertenciam a Dione Sousa e Maria Irismar. O controle da saída do castanhal era, portanto, dominado pelos denunciados.
As investigações revelaram que a alimentação fornecida era limitada a duas refeições precárias: pela manhã e no fim da jornada. Caso a pessoa não trabalhasse no dia, essa alimentação era cobrada, aumentando a dívida com os supostos empregadores. Se os trabalhadores desejassem adquirir outros produtos, deviam comprar do casal, que cobrava preços abusivos. Para se ter uma ideia dos abusos, segundo as vítimas, uma garrafa de cachaça custava R$ 600 e uma pasta de dente, R$ 100. Além disso, as vítimas eram impedidas de adquirir “bens das poucas embarcações que passavam pelo local”.
Ainda com o intuito de aumentar o valor devido e manter a subserviência das vítimas, Dione Chaves e Maria Irismar vendiam drogas ilícitas aos trabalhadores. Conforme depoimentos coletados durante as investigações, os entorpecentes eram fornecidos diariamente e de modo forçado, reduzindo o poder de decisão das vítimas. O objetivo era fazer com que elas ficassem viciadas e, assim, gastassem cada vez mais com a compra das drogas. De acordo com a denúncia, Dione Chaves era integrante do grupo criminoso Comando Vermelho, com envolvimento em diversos crimes como tentativa de homicídios, furtos e ameaças, entre outros.
Crimes – Dione Chaves e Maria Irismar foram acusados pelo MPF da prática de redução de pessoas à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas e de drogas. Sidnei Joaquim, além de figurar como arrendatário de terras dos castanhais, ajudou no aliciamento dos trabalhadores em Porto Velho e cedeu seu veículo para o transporte de alguns dos trabalhadores. Ele foi acusado pela prática do crime de redução de pessoa à condição análoga à de escravo.
Na denúncia, o representante do MPF explica que, embora parte dos crimes tenha sido praticada em território boliviano, o processamento do caso deve se dar o Brasil e seguir a lei nacional, conforme prevê o Código Penal Brasileiro (art. 7º, inc. II, “b”).
Para o procurador da República Reginaldo Trindade, autor da ação penal, “trata-se de uma bizarra prática de um crime em si mesmo repugnante. Os acusados praticamente sequestraram vários moradores de rua em Porto Velho, levaram todos para a Bolívia e lá os mantiveram sob condições degradantes. Não bastasse, ainda cobraram valores absurdos por coisas essenciais (comida inclusive) e ainda forneceram drogas a todos. A depender do MPF, eles sentirão o peso da justiça ao final desse caso”.