Lembro de uma história ocorrida com o Presidente Geisel, lida por mim no Jornal “O Estado de São Paulo”, há alguns anos. O tom hilário e a força da ideia me fizeram guardar o relato. Vamos a história. Certa vez o Presidente Geisel teria recebido em seu gabinete um deputado. O deputado estava com olhar aflito e perguntou: “Presidente, posso contar um segredo para o Senhor, mas é preciso que fique entre nós”. A resposta do general foi imediata: “Não me conte, pois se o senhor que é dono do segredo não consegue guardá-lo, como espera que eu o faça? ”
Conto essa história para apontar certos desequilíbrios que existem nas relações cotidianas. Temos histórias e justificativas o dia todo, sejam elas ouvidas ou lidas por nós. Mas, muitas vezes ficamos constrangidos, pois a pessoa que está falando, mente. Isso mesmo, mente. Ora, o filósofo Aurélio Agostinho, do século V d. C., dizia que mentir é falar com a boca diferente daquilo que o coração sente. Então, toda vez que alguém estiver falando, ou escrevendo, etc., seria bom que verificasse, antes, se aquilo que está dizendo ela mesma acredita ou não. Caso nem a própria pessoa que fala acredita no que está falando, melhor calar-se.
Ainda no âmbito das relações pessoais, a falta de objetividade é alarmante. Quantas vezes a simples pergunta: “isso funciona? ”, resolveria o problema. Ao invés disso, toneladas de papel, tinta, (como também de saliva gasta no blá, blá, blá) são usadas para dizer supostas verdades a respeito de coisas que são mal conhecidas.
Para piorar, quem busca informação pode se escandalizar com explicações dadas apenas com a certeza dos esquematismos. Explico: as teorias existem, e deveriam clarear o mundo. Mas, às vezes, algumas explicações acabam por jogar o mundo fora. As palavras substituem coisas e criam um mundo de sentidos bastante rico, desde que não se percam as coisas. Até aí, tudo bem. Mas, e quando acontece de os sujeitos discursarem enfaticamente sobre coisas que eles não viram, não sabem? Isso é possível? Sim, usando um esquematismo teórico ou pseudo filosófico, com o qual organizam o discurso. Mas, nesses casos, o discurso desorganiza a apreensão e o conhecimento das coisas.
Todos devem lutar contra isso, e não há ninguém que possa dizer-se imune desses erros. Contudo, sobre essas coisas, há dois tipos de homens: os que lutam contra os erros, e os que nem percebem tais falhas. Por exemplo, quando uma pessoa não tem a mínima noção das relações de causa e efeito, ocorre tremenda confusão. Suponha que alguém vá ao médico. Suponha também que seja um fumante e o médico lhe prescreva medicamentos, dietas e conselhos terapêuticos. A pessoa continua enferma. Ao encontrar com um conhecido, o doente se queixa que o médico não resolve seu problema, e, por isso, continua mal de saúde. O amigo então pergunta: “você conseguiu seguir o que o médico disse para fazer? ” O doente esconde os conselhos médicos, muda de assunto, não é sincero em dizer que não parou de fumar, que não segue corretamente a medicação, e nem faz a dieta proposta. Imediatamente o mentiroso inventa uma história para eximir-se de culpa e atribuir seu mal-estar, não aos erros de seu descaso, mas exclusivamente ao trabalho médico.
Falando de minha área, a educação, ano a ano, semestre a semestre, cresce o número de alunos que não fazem as avaliações (nem de segunda chamada), reprovam e então alguns deles reclamam. Quando algum aluno pede para não ser reprovado, mesmo tendo estourando em faltas e não tendo feito alguma avaliação, está dizendo indiretamente que a disciplina ministrada pelo professor ou professora não tem a menor importância para ele. Primeiro, se tivesse percebido o valor do estudo daquela matéria, não seria relapso. Segundo, uma vez reprovado, o assédio para que seja dado “um jeitinho”, é uma prova de desprezo pela disciplina e também pelo professor. Terceiro, se teve problemas pessoais, os professores lamentam, mas isso não muda o fato de não ter estudado e de ter faltado às aulas. Só que a pessoa não se dá conta disso. Ela própria não tem consciência da realidade em que está inserida e da relação entre causa e efeito. Então toma o efeito (não ter nota, ou ter muitas faltas) e quer simplesmente apagar esse efeito, sem nem imaginar na causa, que foram as várias ausências nas aulas, não ter feito as avaliações e trabalhos, enfim, não ter estudado.
Por fim, quem não conhece ou quem sabe de alguém que viveu a situação de ter sido multado, e afirma que o foi “porque o guarda me pegou”. Raramente diz, que foi multado porque estava em alta velocidade. Quase afirma que o culpado é o policial de trânsito. E por aí vai. O Brasil é o lugar do homem anormal, no sentido de que seguidamente foge de seguir a norma.