Qualquer um de nós, quando nascemos, encontramos um mundo já construído parcialmente. A herança do passado, que pesa sobre os homens do presente, tem coisas boas e más. As boas são pouco elogiadas, mas vale pensar nelas. A facilidade de locomoção com veículos e estradas mais rápidos e confortáveis, a possibilidade de comunicação instantânea com pessoas a milhares de quilômetros e outras coisas formidáveis, que você já deve estar imaginando, e que escrever aqui ocuparia todo espaço do site.
A pergunta que se pode fazer é: teriam os benefícios materiais, trazidos pela ciência, contribuído para melhorar a relação entre os homens?
Dada a questão acima, inevitavelmente somos levados a comparar os homens de hoje com os de ontem. É uma tarefa dificílima, pois, para julgar dos acertos dos homens do passado, quanto ao comportamento entre eles, ou quanto aos erros e brutalidades cometidas seria necessário colocá-los em condições semelhantes às nossas. Em circunstâncias muito diferentes, com falta de comida, a brutalidade na disputa pelo território poderia fazer com que homens mansinhos de agora se tornassem crocodilos ferozes.
Apesar dessa dificuldade, não são poucos aqueles que no dia a dia se comparam com personagens do passado, ou, ainda mais, com expressões como, “no passado sim era bom, lá as pessoas eram mais honestas, o fio do bigode era um documento de honra”, etc.
É tentador fazer esse tipo de julgamento, às vezes, com o propósito direto de execrar a condição atual. Mas estudando um pouco mais a história, pode se constatar tristemente que homens aparentemente afortunados de dotes morais, bafejados pela sorte e plenos de caráter não eram de todo assim. É claro que aqui não se quer falar mal dos avós, bisavós, tataravós e outros ascendentes de ninguém, Deus me livre de uma pretensão dessas. Mas, certas autoridades do passado podem ser tomadas como exemplo de pessoas cujas ações são, no mínimo, suspeitas de má conduta.
Poderia ser lembrado o rei inglês, Henrique VIII e suas damas de companhia. Aquele que se separou de Catarina de Aragão para casar com Ana Bolena, afrontando os interesses da Igreja, com o propósito de se apoderar dos bens dessa na Inglaterra. Ou, quem sabe, do papa Alexandre VI, aquele da bula inter coetera que dividiu o mundo em duas partes, uma para Espanha e outra para Portugal, favorecendo a Espanha que era o país onde nasceu. Tal divisão levou ao Tratado de Tordesilhas, e Alexandre VI seguiu com seus três filhos, Lucrécia, Juan e César Bórgias, lutando por acordos com nobres dos principados italianos que pudessem fortalecer a Igreja.
Os ditos fatos ruins do passado abundam. Guerras, mortes, assassinatos, assaltos sempre existiram. Igualmente boas coisas podem ser ditas dos homens antigos. Quem criticaria os grandes ícones da civilização ocidental. A Igreja mesmo, tantas vezes acusada de erros, verídicos ou imaginários, é rica em nomes de pessoas cujo desiderato altruístico enche de orgulho a espécie humana. Aurélio Agostinho, um dos que se apoiou em Paulo para sugerir que as mulheres não deveriam casar caso desejassem servir à Igreja, pois estariam divididas entre servir aos maridos e servir a Deus. Ele próprio, depois de convertido, abandonou a si mesmo e aceitou o trabalho na igreja de Hipona, pastoreando almas, dirigindo a diocese dessa cidade africana.
Olhando um pouco aquilo que até aqui só gravitou em torno da análise, ou seja, a sexualidade, os casamentos, já que foi citado Henrique VIII, os filhos de Alexandre VI e os conselhos de Agostinho, a quantas andavam os casamentos no passado?
Segundo nos informa Gilberto Freyre em “Casa grande & senzala” homens de 30, 40 anos e até mais, casavam com meninas de 13, 14 anos. As que passavam dos 15 e continuavam solteiras ficavam preocupadas, e seus pais também, já que era urgente encontrar um marido. Notórios casos de escapadelas dos maridos, visitas destes aos prostíbulos, eram despistados por mulheres submissas que fingiam nada saber. Em alguns casos, manter a comida para os filhos e o conforto do lar, dava a alguns homens a desculpa do “não te falta nada”. Educar a mulher na base da pancada poderia parecer atitude do macho consciente de seu papel de provedor do lar, quando, na verdade, quem deveria ser educado era ele próprio. Claro que não eram em todos os casamentos que isso ocorria, mas havendo alguns assim já serve de escândalo sobre a forma de tratamento dado à mãe dos filhos por esses senhores.
Se antigamente, dito por alguns como melhor, ocorria isso, ou antigamente, dito por alguns como pior ocorriam tais coisas, hoje há a Lei “Maria da Penha” escrita para coibir tais casos. É incrível que uma sociedade dita evoluída precise de uma lei que diga que é crime bater na esposa. É bom que exista essa lei, pois, como afirma Durkheim, é sinal positivo que a sociedade reconheça certas ações como crime.
A cada 5 minutos, 10 mulheres são agredidas por seus parceiros no Brasil. Então, já que não dá para voltar ao passado para mudá-lo, é preciso agir no presente, fazendo valer a lei e julgando com justiça. A aplicação da lei pode não evitar todos os casos, mas irá coibir um grande número deles. Se o passado está dado, não muda, cuidemos bem do presente, pois é com ele que se forma o futuro.