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O espírito e a coisa

O modo como as coisas são depende muito do modo como elas são pensadas. Antes de existir o automóvel existiu a ideia e o conceito de automóvel. Antes de existirem as grandes obras da literatura, existiram as idéias, que, posteriormente, foram construindo as obras pela narrativa.

Se olharmos para as nações, veremos que o Brasil figura bem em termos de riqueza e muito mal em termos de desenvolvimento teórico. Aquilo que todos já sabem. A educação é péssima, o ensino fraco, e os tontos procurando solucionar os problemas da educação e do ensino buscando culpados pela situação, ao invés de procurar as causas dos problemas. A atitude de quem põe a culpa dos problemas quase exclusivamente nas pessoas, ao invés de buscar as causas deles, se assemelha a piada do sujeito que, tendo perdido a chave da casa, a procurava sob a luz de um poste. Um amigo que passava questionou: “Você tem certeza que perdeu a chave de sua casa aqui?” Ao que o outro responde: “Não, eu a perdi no bueiro, mas como lá é escuro, achei melhor procurar onde tem luz”.

O visível dos problemas em educação está em sala de aula. A preguiça leva a julgar os professores e professoras, e a ficar só nisso. Certo que há professores e professores. Ou seja, alguns mais motivados e mais bem preparados, mas raramente as indagações visam saber o porquê da desmotivação e do despreparo. Como em quase todas as profissões há os mais e menos aptos. No caso da educação o problema da má qualidade das aulas é resultado de uma cadeia de circunstâncias que vem de longe.

No dia de hoje, 27 de maio, a imprensa noticiou que o narrador Galvão Bueno renovou com a Rede Globo. “Sem contar participação em ações de marketing, o pagamento mensal do narrador esportivo é de nada menos do que R$ 5 milhões, de acordo com o jornal ‘O Dia’”. (http://entretenimento.br.msn.com/famosos/giro-famosidades-793#image=7). Sem entrar no mérito da questão financeira, é notável que esse salário esteja de acordo com a gloriosa tradição do Futebol Brasileiro, repetido nas propagandas da TV com sendo a Paixão Nacional. Mas também é notório que o salário de fome pago aos professores, a inexistência de espaço adequado para bibliotecas, laboratórios, brinquedotecas, salas de recreação, ginásios de esporte, climatização e outros, deve aborrecer e desestimular aqueles que perderam horas da juventude estudando para se tornarem educadores.  

Salário de fome foi forte. Então compare o mesmo número de horas de estudo dos demais profissionais com ensino superior, em outras profissões e seus respectivos salários. Melhor, compare as horas de estudo e o bem que fazem para nossas crianças os professores e professoras e aqueles com estudo nenhum e benefício menos ainda. Temos em nosso País uma sociedade às avessas. Mas, voltemos nosso olhar para a educação brasileira como um todo.

Quando se trata de algo palpável, como uma casa, os erros aparecem visivelmente: o excesso de gastos, a parede torta, a cobertura com goteiras, o encanamento com infiltrações. Quando se trata de algo impalpável, como a educação, quando os problemas aparecem, já é tarde. Os excessos de liberalidade, formando sujeitos que não tem respeito pelo outro. A falta de retidão na conduta. O desconhecimento da história do próprio país. A confusão relativista entre bem e mal. O despreparo para lidar com os números. A diplomação de ignorantes. Diplomados soletradores, resultado dos níveis mínimos de leitura, pela qual dificilmente se consegue sair do mero reconhecimento das letras.

Ainda bem que vivemos num País bondoso, cuja generosidade distribui certificados e diplomas com satisfação plena, longe estou de condenar isso. Quem sou eu? Um mero professor (leia-se: trabalhador assalariado), tentando sobreviver em uma selva de trabalhos copiados daqui e acolá. Selva branda, contudo, na qual alguns se gabam de espertezas, insinuando que aluno que estuda é otário. Para que estudar se pode simplesmente pagar? Quanto à avaliação, se apertar um pouco não sobra um. Para se formar é preciso que o aluno participe de alguns eventos. Mas então alguns não se formarão, pois alegam não poder participar. Solução? Tire fora essa exigência. Precisa também assistir palestras e participar de grupos de pesquisa. Mas boa parte não consegue. Solução? Tire fora essas exigências. Nas escolas e colégios o aluno precisa fazer prova como era antigamente: sem consulta. Mas daí vão tirar nota baixa e reprovaremos muitos. Então a solução é deixar que façam consulta, inclusive da internet (por que não?), e façam a avaliação com a ajuda do professor (a). E se ainda assim o aluno for mal (sabe, nem todo dia estamos dispostos fisicamente, blá, blá, blá…) então seja dada a oportunidade de fazer novamente a prova.

O resultado disso são candidatos com diploma de ensino superior e certificados de especialização fazendo concurso cuja exigência é ter diploma de ensino médio, às vezes apenas do diploma do ensino fundamental. Outro resultado disso, em termos de educação, é o ridículo 38º lugar ocupado pelo Brasil num ranking de 40 países.

Os alunos e os professores estão errados?  Nunca! O modo como a educação brasileira é feita é que está errada. Por favor, não me acusem de estar acusando pessoas. Estou acusando o ensino e o modo como às coisas são realizadas e avaliadas.

Se exigirmos mais e dermos mais de nós mesmos em nossas aulas, é provável que muitos não se formem. Mas quem sabe haja uma parcela considerável de pessoas que não está se formando, mas apenas recebendo diplomas e certificados. O modo como pensamos a educação constrói o sistema de ensino brasileiro que temos. Fugir dos problemas só os agrava.

Critiquemos os métodos e ideias que julgamos erradas. Elogiemos as pessoas.

Felizmente há esperança. Ao menos é o que vejo em alguns alunos e alunas que tenho, capazes de estudar 4 horas aulas seguidas, ouvindo, lendo, questionando sobre assuntos áridos da Filosofia. Alguns, cujas indagações me ensinam a pensar, reaviam a esperança. São poucos, se considerarmos o universo de alunos no Brasil. Mas há também outros, em outros lugares. Que este artigo, então, não seja visto como choramingo, mas como homenagens aos que não são meros alunos (as), mas sim estudantes.

Coloquemos o futebol no lugar certo, e a educação no lugar que merece. É hora de o espírito da coisa mirar para as coisas que tem espírito.

Ivanor-Artigos




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