Tem aquela história do homem que, tendo nove filhos precisava distribuir entre estes seus bens. Analisou-os um a um e decidiu que deveria dar aos mais fracos de ânimo, aos menos aptos uma quantidade maior de terras e de dinheiro.
A revolta foi grande, e o zeloso pai ouviu pacientemente argumentos em favor do que havia decidido e argumentos que se opunham aos seus planos. A favor, claro, estavam aqueles que iriam ficar com uma porção maior da herança e argumentavam dizendo que, sendo menos hábeis, deveriam receber mais bens, pois isso equilibraria a disputa com os demais. Numa sociedade familiar em que deveria predominar a igualdade entre todos, dar uma porção igual para cada um resultaria num desiquilíbrio de forças, já que os filhos mais velhos, sendo mais experientes, poderiam usar disso para explorar os irmãos mais novos. Uma maneira de evitar isso, segurando a ambição dos maiores, seria dar-lhes pouco poder. Com menos riqueza seriam mais fracos economicamente, mas sendo mais aptos, seriam mais fortes em conhecimento e astúcia, o que levaria a almejada igualdade entre todos.
Sob os protestos dos mais velhos, o paciencioso pai ouviu os argumentos contrários. Os filhos que nasceram primeiro alegavam não ter culpa disso. Além do mais, por essa razão tiveram que ajudar nos trabalhos, pegando nas ferramentas muito antes que os mais moços, e sendo assim ajudaram a construir a pequena fortuna do pai. Não diziam isso querendo cobrar algo mais, o que não seria de todo injusto, mas bastava-lhes que fossem divididos os bens igualmente entre todos, já que não queriam ver os demais recebendo menos do que eles, só pelo fato de, sendo ainda jovens, terem pouco ajudado.
Mas, o argumento decisivo para que o pai mudasse de ideia dizia respeito ao futuro. Querendo que todos estivessem bem depois de sua morte, ficou receoso que os mais jovens, recebendo mais recursos, os aplicassem em vadiação. Se uma pessoa que pouco contribuiu para aumentar a riqueza da família recebesse mais, como evitar que ficassem viciadas esperando que sempre houvesse alguém capaz de lhes dar sem que precisassem trabalhar?
A pequena história acima, inventada por mim para efeitos de análise do social, ilustra um pouco as dificuldades encontradas na sociedade quando são discutidas essas questões, ligadas à ética.
Há pouco tempo dar esmolas era visto como louvável, pois a caridade cristã impunha certas obrigações para com os semelhantes. O aumento de pedintes, e alguns pedintes violentos, desaconselha mesmo andar em grandes cidades com os vidros abertos. A esmola poderá se tornar a droga de daqui a pouco, alimentando o vício e o tráfico. Distribuir riquezas então, é outro assunto severo. Tem a ver com o problema da igualdade entre os homens, mas o que parece igualar num momento pode desigualar para sempre.
As regras de justiça existem porque há carência de bens. Se houvesse superabundância não haveria brigas por elas. Ninguém entra na justiça por não ter ar para respirar, já que este é superabundante e ninguém consegue respirar sozinho todo oxigênio da terra. Já os alimentos são escassos, as vestimentas e outros bens dependem do trabalho humano para serem criados em condições que satisfaçam as necessidades das sociedades.
A preocupação do governo com os programas sociais tem algo a ver com isso. É indispensável ajudar quem passa necessidades, e os programas sociais tem recebido elogios, graças a eles o Brasil é um dos poucos países que conseguiu diminuir o número de famintos. Programas como o Bolsa Família tendem a continuar e até serem ampliados. A questão é saber até quando.
Além desses programas, há a urgente necessidade de encontrar caminhos que permitam aos assistidos conseguir andar por eles próprios. Alguém que deixe de precisar da ajuda governamental é um alívio para todos. Mas para que isso ocorra o que tem sido feito? Tem havido mais escolas, mais universidades, mais Institutos Federais de Educação Tecnológica, entre outras ações. Mas a Educação demora a dar resultados. Por outro lado é talvez a única que realmente dê resultados duradouros se se investir continuamente nela.
A família descrita no início deste texto, com seus nove filhos, tinha uma preocupação em dividir bens materiais, que são escassos. Se tivesse dado a única coisa que não se acaba, a educação, com ela os filhos poderiam se sustentar por si mesmos e, assim, não haveria tanta briga. Não é fácil, contudo criar “self made man”, o homem que se faz por si mesmo, mas é preciso tentar.
Então, tanto aquele pai do início deste escrito, quanto o governo, poderiam se preocupar mais em dar a mesma educação para todos, com a mesma boa qualidade tanto para os mais novos quanto para os mais velhos. As desigualdades então seriam apenas o resultado do empenho e talento de cada um.