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Trajado; artigo do professor Ivanor Luiz Guarnieri

Trajado parecia um sujeito bacana. Aonde chegava os olhos alheios depositavam nele uma mistura de confiança e admiração. Roupa bem cuidada, a vestimenta usada lhe caia tão bem que irradiava a presença de um homem digno da atenção alheia a mais positiva possível. Dava gosto tal figura lustrosa.

[dropcap]V[/dropcap]estir-se bem é mérito, e Trajado cuidava para não ultrapassar o tênue limite do bem vestir com o desbunde de roupa mal combinada que rasga qualquer elegância. A primeira vista era isso: estética agradável. Mas o tempo de convívio com as pessoas é como o sol, tem o efeito salutar de iluminar o que está escondido.

       Não demoraria muito, embora Trajado se esforçasse. Com ar cada vez mais afetado, procurando mostrar sabença, via diminuir nas outras pessoas a admiração que havia sentido no começo. Frases espirituosas repetidas por ele já não surtiam o efeito inicial, pelo contrário, demonstravam que Trajado não era tão afeito aos livros como costumava gabar-se.

       No escritório sua bela cabeleira, engomada como os seus modos, já não arrancava mais o olhar das mulheres, mantinha apenas a inveja dos carecas. Desfigurou-se nosso personagem. Pobre Trajado! De tanto querer ser importante virou motivo de chacota. Os galhofeiros cantavam em sua homenagem: “Ele é o bom,  é o bom, é o bom…” e riam a beça dessa melodia e de como ela parecia vestir bem a personalidade de Trajado. De elegante para esnobe foi um passo e outros defeitos seriam notados.

       Mas ele não era bobo. Percebendo não mais agradar começou por falar de si. Foi  desastre ainda maior, pois dificilmente as pessoas tem tempo, saúde e paciência para ouvir gabolas.

       Parecendo não haver mais solução, saiu de dentro de Trajado o espírito do Crítico. Começou aos poucos, apontando um problema aqui outro acolá. Uma crítica leva à outra. Uma queixa chama outra. Desse modo era visível o crescimento da montanha de lamentações que se tornará nosso herói.

       Não demorou muito para as pessoas o verem com maus bofes. Poucos são os dispostos a aturar queixar por mais tempo do que alguns instantes. Primeiro foram os nascidos no lugar, depois os que vieram de longe, mas já haviam criado raízes na terra. Todos discordando dos palpites de Trajado sobre os males de sua terra querida. Quem quer atrair a ira dos demais comece por achar defeito nas coisas que eles gostam, a começar pela cidade onde vivem.

Ivanor-Artigos       Foi-se o tempo e Trajado, vendo as portas das oportunidades fechadas para seu imenso orgulho, resolveu partir. Foi-se. E foi maldizendo o lugar e a falta de humanidade de seus moradores.

       Encontrava-se agora chegando a uma nova cidade, na qual esperava encontrar gente de verdade. Segundo observaram alguns, lá estava ele diante de um novo mundo, incógnito, pronto para ser descoberto e explorado. Do mesmo jeito: acompanhado de sua bem delineada vestimenta, cabelos alinhados, leve sorriso de otimista nos cantos da boca, pronto enfim para conquistar pessoas.

       Em seu espírito, sem um espelho que permitisse refletir sobre si mesmo, trazia escondido seu costume de achar que o mundo está cheio de problemas, e nenhuma disposição para reconhecer que boa parte deles não está no mundo, mas dentro do Pobre Trajado.

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